Mestre: Quando você está olhando para mim, o que você vê?
Participante I: Nenhuma confusão!
Mestre: Por quê? Porque não há pensamento, não há preocupação, não há passado, não há futuro. Quando não há nada disso, não há tristeza, não há medo, desordem, caos. A vida humana fica nesse “equilíbrio” entre o medo e o desejo, porém, na sua vida Real, não há nada disso. Hoje eu vivo a minha vida Real e todos vocês são parte disso.
Você precisa decidir viver além da mente, do pensamento. Você realmente não precisa do pensamento. Minha dificuldade com você é lhe mostrar isso, que é o segredo da minha alegria. Não permita em você o pensamento. Como você faz isso? Observe-se! Quando o pensamento aparece, você olha para ele. Quando você só olha para ele, o pensamento não tem nenhum poder. Mas, quando você não olha, ele o captura e, quando isso acontece, você demonstra tristeza, alegria, medo, desejo – “Eu quero isso!… Eu odeio isso!”… Pensamentos! Tudo isso porque você foi capturado.
Meus olhos estão sempre limpos, porque eu não acredito em pensamentos. Pratique isso a todo tempo, agora! Todo momento é sempre agora, mas vocês são preguiçosos. Vocês devem praticar isso, até que isso se transforme em seu Estado Natural, pura Consciência. Quando isso é o seu Ser, você é o Amor. Não há problema no Amor, não há problema em Deus… Deus é Amor!
Vocês estão viciados no pensamento, no sentimento, na emoção, na sensação, na excitação e isso cria a ilusória identidade. Não existe nenhuma identidade, a não ser aquela criada pelo pensamento, dando vida à sensação, à percepção, à experiência acontecendo nesse instante. Também, não há nenhum problema na sensação, na percepção, na emoção, nem no pensamento, mas é que você não olha para ele e para o lugar que ele tem. Quando você olha para o pensamento, ele já assume o lugar que deve assumir.
As pessoas me perguntam e têm dúvida sobre isso, ou, quando elas não perguntam diretamente, fica implícita no que dizem. Sem dúvida que o pensamento é necessário e elas dizem: “Como eu posso viver sem pensamento?”. O pensamento é parte da vida, não há nenhum problema nele. É o pensamento que torna possível as coisas acontecerem, ou melhor, viabiliza, aparentemente, coisas acontecerem.
Tudo, que você vê no seu mundo externo, foi construído pelo pensamento. A cadeira onde você está sentado, o piso onde você está assentado, esse prédio onde você dormiu essa noite, a cama onde você se deitou para dormir… Absolutamente tudo foi construído pelo pensamento. Olhe para o seu corpo… Ele, também, foi construído pelo pensamento, é fruto do desejo (o pensamento do sexo surgiu na cabeça da sua mãe e do seu pai e olha você aí).
Tudo, absolutamente tudo, é construído pelo pensamento. Então, não há nenhum problema com o pensamento. O problema todo é sempre a ilusão de uma entidade presente, determinando para si, na ilusão da “pessoa”, o preenchimento em uma realização, em um pensamento, através de um pensamento e pelo próprio pensamento. Enquanto esse Natural Estado de Ser, que é Meditação e ausência de identificação com o pensamento, não se estabiliza de forma definitiva, o trabalho não está feito ainda. Realização não são entradas e saídas em um estado de ausência de identificação. Há muita confusão sobre isso, por aí, quando dizem: “Eu estou muito triste, mas eu não sou a tristeza, porque isso vem e vai” – isso está corretíssimo, é exatamente assim, mas esse não é o seu Estado Natural.
Isso é como pegar um elevador e subir até o sétimo andar de um prédio como este, mas não dá para ficar lá o tempo todo – você terá que descer; depois você sobe novamente, no outro dia, em outro momento. Você vai ao supermercado e volta. Você precisa subir novamente no prédio, pegar o mesmo elevador, subir e descer. Enquanto houver esse “sobe e desce”, ainda está presente ao “sobe e desce”, mas, pelo menos agora, você sabe que essas variações de estados internos não têm realidade, porque isso está atrelado à “pessoa”, ao sentido de “pessoa”.
Então, esse prédio, com esse movimento nele, que é o “movimento do elevador”, é como o movimento da identificação e o da desidentificação. Assim, numa hora você está identificado e noutra está desidentificado; numa hora você está no alto e noutra está mais embaixo; numa hora você está no sétimo andar, noutra está no primeiro andar ou no térreo.
Você tem todos os dias para trabalhar isso, aprender a olhar e a ouvir, aprender o que é pensamento e aprender a “pensar”. Aqui, “pensar” é sem o pensador e não no sentido de um verbo, onde você seria o autor desse pensamento. Aqui, “pensar” é lidar com os pensamentos sem se confundir, sem confusão. Conseguem perceber onde vocês têm negligenciado? Que vocês são muito condescendentes com pensamentos e com os sentimentos, quando eles aparecem no corpo? Muito condescendentes com as crenças – “Ela não gosta de mim!… Ele está ‘dando bola’ para ela, mas ele é meu!”?
É tão estranho isso! Você não só está ocupado demais com os próprios pensamentos, identificando-se com eles, como quer, ainda, se identificar com os supostos pensamentos que o outro está tendo. Em outras palavras, você é tão intrometido psicologicamente que quer adivinhar o que o outro pensa sobre você ou sobre alguma situação, qualquer que seja ela – de tão viciado que você é em pensamentos! Você ama isso, ama estar ocupado – isso é uma ocupação.
Então, essa questão de “ser uma pessoa” é fundamental para você. Há uma conspiração (familiar, regional, nacional, internacional, mundial e “cósmica”) para você “ser alguém”. A ideia central é: “Seja alguém; sofrer faz parte disso – não reclame!”; “Seja alguém e sofrer faz parte! Todo mundo sofre, o importante é ser alguém!”. Assim, todo mundo leva isso numa forma natural, ou seja, “ser alguém no meio de muitos e ter problemas como todos têm”. Todos os problemas estão baseados no pensamento sobre o que aparece, acontece, inclusive no pensamento sobre o “pensamento que aparece”.
A ideia da identificação com o pensamento cria sobre ele uma suposta realidade, que é somente uma imaginação, tornando-se muito real para você. Você quem? O suposto pensador, a suposta “pessoa”. Se algo fizer você sofrer, deixe aquilo. Não é simples? Se o seu marido faz você sofrer, deixe-o e, se o pensamento faz você sofrer, deixe-o; ou você deixa o pensamento ou deixa o marido. Se, na imaginação, seu marido trai você e faz sofrer, deixe o marido, mas não imagine mais, porque, quando tiver outro marido, você vai imaginar a mesma coisa. Então, você deixa o marido e deixa a imaginação, também!
As pessoas vivem reclamando que outras estão provocando sofrimento na vida delas. Elas precisam abandonar o sofrimento, mas não estão dispostas a isso, porque, por exemplo, elas querem “continuar com o marido”, imaginando sendo traída e sofrendo. A base é: “Seja feliz”, mas ser feliz (de verdade) significa viver sem imaginação, independentemente de ter marido ou não, porque a ideia é que “o marido faz sofrer” – estou dando o exemplo do marido, mas pode ser qualquer outra coisa: a namorada, o filho, a família.
O problema é que você acredita que algo externo está lhe fazendo sofrer, enquanto estou dizendo que o que está fazendo você sofrer é a imaginação de “ser alguém que não suporta aquilo”, e, ao mesmo tempo, suporta, porque nunca faz nada para “aquilo” terminar aí dentro de você. Ninguém, nem nada, obriga você a sofrer, contudo, sofrer é a coisa mais desejada, porque a imaginação é o que mais se deseja. Então, todos amam o sofrimento. A exceção são os sábios, que não irão continuar carregando uma vida pessoal, com histórias, nem continuarão com queixas; irão simplesmente fazer o que precisa ser feito para não sofrer mais. Esses são almas raras!
Tudo que lhe interessa é ser “alguém”, então, a maior insanidade é permanecer sofrendo, reclamando do sofrimento sem fazer nada. Se você tem um câncer, em uma parte do corpo, você vai para o médico para ver o que pode ser feito, para cuidar dessa parte do corpo e, assim, cuidar do corpo. Mas, isso é assunto do médico, porque, nesse assunto, você não pode fazer muita coisa. O médico talvez possa fazer alguma coisa (Muito “talvez”, não é?), mas isso não é assunto seu.
Agora, tem assuntos que são só seus e de mais ninguém. Se alguém lhe faz sofrer, não adianta dizer: “Pare de me fazer sofrer! Eu não suporto mais isso! Eu não quero mais viver assim!”. Isso não resolve, porque ele não está interessado em você, está interessado nele. É um exemplo de algo que somente você pode resolver, mas você só resolve da forma real. O que as pessoas fazem? Elas entram nessa substituição. Se algo lhes faz sofrer, elas substituem por outra coisa que acreditam que não vai fazê-las sofrer. Porém, logo descobrem que “aquilo”, também, está lhes fazendo sofrer e substituem por outra coisa; depois descobrem que isso, também, está lhes fazendo sofrer.
Por que isso tudo está acontecendo? Porque, basicamente, o sofrimento não está fora; o sofrimento está dentro delas e elas estão sustentando isso. Não tem nada a ver com o outro; tem a ver com o modelo de procura pelo desejo de ser “alguém”. Então, a pessoa sustenta o modelo, porque ela não está disposta a terminar com o sofrimento; ela gosta disso, ama o jogo da substituição. Todos vivem nessa desonestidade – é a natureza do ego. Você não está em busca da Verdade sobre si mesmo, que é a libertação do sofrimento. Você está em busca de algo que lhe preencha, inclusive na dor. Não é isso?
Não é o lado de fora, não é o outro, não é o mundo, não é o marido, não é o pensamento. É o pensamento sobre o pensamento; é a ideia sobre o pensamento; é o pensamento sobre o marido, sobre o outro. Somente há Felicidade quando não há, absolutamente, nenhum sofrimento e não há sofrimento somente quando você está, absolutamente, só. Estar só não é estar sem o outro, sem o mundo, não é estar sem família, sem filhos, sem relacionamentos com pessoas, como o padeiro, o jardineiro, o namorado. Estar só significa permanecer desidentificado desse falso “eu”.
Então, você não toma mais a decisão de abandonar o outro e sim de abandonar o sofrimento. Se o outro não suportar sua felicidade, literalmente, ele se afastará de você. Porém, esse é um assunto “dele”, porque ele está querendo compreender a “mecânica” da coisa. Precisa investigar isso, vir para o Satsang, e, talvez, ele não queira investigar isso, mas, sim, continuar sofrendo, vivendo na ilusão desse sofrimento. A sua pergunta inicial foi sobre essa questão do “vício de ser uma pessoa” – está aí a resposta!
Isso é curioso, porque o que se aplica na relação com o outro, aplica-se com relação a “qualquer coisa”, até mesmo na relação com o próprio corpo. Se você se sente gorda ou magra demais, acredita que tem um nariz torto, ou algo lhe incomoda no próprio corpo, resolva isso! Aquilo que pode ser resolvido deve ser resolvido, e o que não pode ser resolvido, já está resolvido e não é mais assunto seu, para você resolver. Você precisa se libertar disso psicologicamente, internamente, e somente assim não há sofrimento! Compreendem o que estou dizendo? Se for algo que você possa fazer, você vai lá e faz; se for algo que você não possa fazer, já está feito. Ou seja, você acolhe isso inteligentemente, desidentifica-se da história que o pensamento cria sobre esse assunto e você está livre do sofrimento. Sempre, o segredo é estar só.
Participante II: Estar só consigo mesmo, não é?
Mestre: Só! Sempre só! “Só” é desidentificado do que o pensamento cria sobre o próprio corpo, sobre o outro ou sobre o mundo à sua volta. Isso é o primeiro e último passo para a Felicidade, para a Liberdade, para viver inteligentemente. Todavia, é da pessoa, da ilusão do sentido de “pessoa”, ela ser preguiçosa e, por ser preguiçosa, ela vive substituindo. Então, o ego vive fissurado em dietas para emagrecer ou em técnicas menos dolorosas para obter o que deseja. Ele fica substituindo o que é “fácil” por algo que é “mais fácil”, o que é “mais fácil” pelo que é “bem mais fácil”, assim por diante, e o problema, basicamente, é somente um: a identificação com pensamentos.
O problema não é ser gordo ou ser magro, nem não estar com o marido perfeito, a mulher perfeita ou a família perfeita. O problema é não ficar só. A família está numa escala menor, mas é a representação do mundo, de todas as famílias do mundo. A grande família humana está exemplificada nessa sua família de cinco pessoas: você tem três irmãos, uma irmã, e a família humana está toda aí. Essa família de cinco pessoas, que está aí, é você. “Eita! Agora pegou! Estava tão animado! Achei que era somente me afastar fisicamente da família… agora pegou”!
Participante III: A gente arruma outra família para colocar no lugar, não é, Mestre?
Mestre: A substituição… você substitui maridos, esposas, filhos (até filhos você substitui). Claro! Por que não substituir os filhos? Você adota sobrinhos como filhos… adota gatos, cachorros, e eles passam a ser “seus filhos”! Se você substitui o outro, sempre substitui tudo. Aqui, não se trata disso! Realização não é isso! Realização é a consciência da Verdade sobre si mesmo. Então, você precisa estar em si mesmo, precisa estar só; não é isolado, é só! É saber dizer “sim” e dizer “não”, para poder estar só. É saber se desidentificar de histórias que não dizem respeito a você, que são pensamentos, que outros tentam lhe vender ou emprestar, e você os assume como sendo uma verdade para você (seu ego está vivendo disso, está vivendo nisso).
Não é raro, é muito comum, uma mãe, que os filhos casaram, foram embora, ainda estar resolvendo os assuntos da família desses filhos, cuidando dos netos, e sentindo-se responsável por eles. Você não sabe dizer “não”, está identificada com a história do outro e isso lhe dá um preenchimento sofrível muito aprazível, doloroso (Olhe que contradição nos termos!), porque você ama isso. Você está sofrendo, mas gozando. Isso não tem nada a ver com a sua realidade, somente com a fantasia de continuar sendo “alguém” para “alguns”, tendo “alguns” para “alguém”, para você, para si mesmo. Olhe como essa questão de ser uma “pessoa” é vasta no mundo.
Participante II: É uma multidão, Mestre!
Mestre: Você nunca renuncia a essa interna multidão, porque isso lhe dá um sentido de “pessoa”. Mediocridade total! Como pode haver Felicidade, Inteligência, Liberdade, Sabedoria? Corrijam-me se estiver errado!