O observador e a coisa observada. Fugas psicológicas

Aqui o propósito é trazer uma Real clareza a respeito da vida – a vida que nós levamos, a vida que nós conhecemos, a vida na qual nós estamos situados dentro dela. Nós precisamos ter uma clareza a respeito do significado de tudo isso.

É comum em nós uma insatisfação. O ser humano carrega dentro de si um estado interno de insatisfação, e essa insatisfação tem diversas expressões particulares para cada um, no entanto, elas sempre estão presentes; e há toda uma busca, há toda uma procura para o fim dessa insatisfação. E aqui eu quero tratar com você dessa inutilidade dessa busca, dessa procura.

Isso pode soar estranho para você, porque nós fomos educados, dentro da nossa cultura, dentro da nossa sociedade, dentro do nosso mundo – isso é um condicionamento psicológico que trazemos –, a buscar uma solução para o fim dessa insatisfação, realizando coisas.

Como o modelo de realizações que nós conhecemos, na esfera física, material, profissional ou em diversas outras áreas conhecidas por nós, é pelo esforço, nós acreditamos que pelo esforço, um dia iremos colocar um fim para essa condição interna, psicológica, de sofrimento interno, de sofrimento psicológico, iremos colocar um fim para essa insatisfação.

O que estamos dizendo aqui é que essa insatisfação está presente em razão desse fundo psicológico de inadequação, de inabilidade, de incapacidade de lidar com a vida. Então, enquanto estivermos mantendo para nós mesmos um modo de perceber a vida, o mundo, o outro, a nós mesmos dentro desse princípio de condicionamento psicológico, de abordagem psicológica de existência, essa insatisfação continuará presente.

E essa insatisfação é aquilo que para A, B ou C tem um significado específico, tem um determinado significado. Uns falam de dor da solidão, outros falam de angústia, de dor existencial, depressão, síndromes, medos. Cada um tem um modo de se aproximar nessa insatisfação de si mesmo. E uma coisa que temos feito é dar nomes a esses estados internos. Na verdade, são estados internos de infelicidade, de incompletude.

E por que isso está presente? Esse é o nosso empenho aqui, é o nosso interesse aqui com você, aprofundar isso, descobrir a Real possibilidade de uma vida livre de sofrimento psicológico. Isso significa uma vida livre de toda forma de condicionamento psicológico. Então, o que é esse condicionamento que sustenta esse sofrimento? É o modelo da estrutura psicológica social em que nós nos encontramos.

Aprendemos com os nossos pais, avós, bisavós – com aqueles que chegaram antes de nós – a vida pelo esforço, o esforço para alcançar algo, para obter algo. Esforço pressupõe sempre o desejo de obter, de alcançar. Estamos insatisfeitos agora, com o que somos. Não estamos investigando isso que somos, mas temos um ideal, uma projeção, um objetivo. Esse objetivo é para alcançar, pelo esforço, algo diferente do que nós temos aqui.

O que temos procurado investigar com você aqui é o valor da compreensão da insatisfação. Compreender a insatisfação nesse instante é lidar com esse estado de insatisfação nesse momento. Reparem: é nesse momento que você pode lidar com a dor, não depois que a dor não está, não antes da dor chegar. É quando a dor está presente que podemos lidar com a dor, mas não temos feito isso.

A forma de lidar com o sofrimento é completamente equivocada, porque, culturalmente, aprendemos a fugir do sofrimento, a escapar daquilo que nos faz sofrer nesse instante. Então nós substituímos isso, que é essa dor, esse sofrimento, por alguma coisa que possa nos consolar, nos confortar, nos fazer, temporariamente, esquecer da dor.

Parece que estamos livres da dor, mas, na verdade, estamos apenas como que anestesiados dela. Então, não há dor no momento, porque estamos esquecidos de nós mesmos, e fazemos isso como um mecanismo, como uma estratégia, como uma forma de lidar com a dor – uma forma equivocada de lidarmos com esse sofrimento, com essa insatisfação.

As pessoas se envolvem com todas as formas de fugas psicológicas. São alternativas para esquecerem delas mesmas, em razão da dor, da insatisfação, desse sofrimento se manifestando nesse momento. Então, é pelo esforço que queremos alcançar alguma coisa diferente disso. Nós não nos aproximamos, por exemplo, do sofrimento da inveja.

É curioso o nosso comportamento. Estamos preocupados com a inveja que outros têm de nós. Não percebemos que a inveja é algo presente nesse modelo psicológico de ser “alguém”. Esse ser humano que nós somos é invejoso. Você diz: “Não, eu não sinto inveja”. Olhe de perto isso e você irá perceber que, como qualquer ser humano, psicologicamente – a não ser que você realmente esteja livre desse sentido do “eu”, do ego –, você carrega inveja.

Então, a inveja que os outros têm de mim e a inveja que eu tenho dos outros é, basicamente, sofrimento. Não sabemos olhar para isso aqui, neste instante. Isso é causa de sofrimento psicológico, de insatisfação. Assim, o pensamento tem opiniões sobre isso, ideias sobre isso e cria um ideal no futuro para se livrar dessa condição psicológica.

Nós acreditamos que é pelo esforço que iremos alcançar o propósito de estarmos livres dessa inveja que sentimos e dessa dor, também da inveja, que o outro causa para mim, para esse “eu”, para esse ego. Queremos nos livrar da inveja que o outro sente de mim e queremos nos livrar da inveja que eu sinto do outro através de uma ideia, através de um propósito, através de um objetivo, através de um esforço. Então nós traçamos, porque temos ideias sobre isso, um ideal de liberdade da inveja ou do ciúme.

A dor está aqui, mas “um dia estarei livre do ciúme”, vou me esforçar para isso”. “Eu sinto raiva, mas um dia estarei livre da raiva, vou me esforçar para isso”. Aqui nós precisamos descobrir como lidar com esse estado nesse instante, nesse momento; com o sofrimento agora, com a insatisfação agora. É isso que temos falado aqui com você, é isso que temos explorado com você.

Descobrir como nós funcionamos nesse momento é o grande segredo de ir além dessa psicológica condição de condicionamento interno, de sofrimento, de medo, de inveja, de ciúme, a questão da raiva, da insatisfação. Tudo isso que nós somos agora, aqui, tomar ciência disso, ter uma aproximação pelo Autoconhecimento, reconhecer isso sem esforço. Não se trata de querer fazer algo com isso que surge, mas apenas tomar ciência disso.

Reparem como é importante ter uma aproximação nova desses aspectos psicológicos que dão essa insatisfação, que trazem essa insatisfação, que provocam essa insatisfação em nós, essa dor em nós, esse sofrimento em nós. Lidar com isso agora, lidar com isso de forma Real é olhar, não com o ideal de se tornar diferente, de se livrar no futuro, de obter amanhã uma condição nova para isso; é agora.

A pergunta é: como olhar para isso? Em geral, estamos vendo isso em nós, mas não estamos olhando isso. Há uma diferença entre ver e olhar. Você vê a partir de uma ideia, de uma crença, de um conceito. Você vê a partir de uma opinião, de um gostar ou não gostar daquilo que está enxergando em si mesmo. Essa é a forma comum que temos de ver aquilo que se passa em nós: nós estamos vendo. Esse enxergar não é olhar.

Estamos enxergando, estamos vendo e sofrendo com isso, porque queremos fazer algo, porque temos um ideal diferente desse para nós mesmos. “Eu não posso ser invejoso, eu não posso ser ciumento, eu não posso ser ambicioso ou avarento – religiosamente isso está errado. Isso não é ser espiritual, isso não é uma coisa moral”.

Nós temos um olhar que não é um olhar claro, é só um ver, um enxergar a partir de um conceito, de uma ideia, de um modelo dentro de uma formação cultural de condenação, de rejeição. Então estamos sempre vendo com condenação, com rejeição ou com aprovação.

Ou nós condenamos o que estamos vendo em nós ou justificamos. Algumas pessoas justificam sua agressão, sua violência, justificam essas formas de desejos e medos; outras pessoas condenam isso nelas mesmas, e tudo isso é cultural, é algo aprendido dentro da visão cultural, religiosa, filosófica, espiritualista, psicológica.

Estamos sempre olhando sem, na verdade, tomar ciência do que é um olhar claro, porque estamos sempre enxergando a partir desse ver. É como quando coloco um óculos e olho para alguma coisa: se o óculos é colorido, aquilo me parece daquela cor que o óculos, que as lentes do óculos apresentam.

Nós temos uma forma específica de aproximação da vida totalmente equivocada. É possível olhar, e esse olhar é esse observar sem o observador. É possível olhar, e esse olhar, notem, é um olhar onde o “eu”, o ego, esse “mim”, esse observador não entra. Então, é possível tomarmos ciência pelo olhar sem “alguém” envolvido nisso. Não se trata de ver, de enxergar, condenando, rejeitando. Aqui se trata de olhar sem o “eu”.

Quando você olha sem o “eu”, há um olhar sem esse “você”, e quando esse olhar está presente, algo novo acontece. Se entro em um contato direto com a inveja, sem esse “eu”, esse elemento que quer se livrar da inveja ou quer justificar a inveja, não entra. Então uma visão clara se mostra dessa condição psicológica, que é um mero condicionamento que vem do passado, que é uma memória, é só uma experiência sendo constatada sem o observador, sem o “eu”, sem o ego.

Essa é a aproximação da Meditação, que é Autoconhecimento, porque revela a natureza ilusória desse centro, que é o “eu”, o ego. Só podemos lidar com isso nesse instante, nesse momento; não é antes, não é depois. Então, o que nós precisamos na vida? Precisamos descobrir como ter uma aproximação de nós mesmos, e isso é Autoconhecimento. Essa é uma aproximação da Verdade sobre a Meditação.

A Verdadeira Meditação é agora, aqui, neste instante. Você não reserva um momento para observar a mente. A observação da mente requer a presença de um olhar livre do observador. Isso não tem nada a ver com a postura do corpo e com um momento específico para meditar, mas é agora, momento a momento, quando você se torna ciente do pensador, ciente que o pensamento é o pensador, quando você se torna ciente do sofredor percebendo que esse sofredor é o próprio sofrimento, quando você se torna ciente do invejoso sabendo, de imediato, que esse invejoso é a própria inveja, não há nenhuma separação.

E quando não há nenhuma separação entre o observador e a coisa observada, o invejoso e a inveja, o ciúme e o enciumado, quando não existe mais essa separação, porque há esse olhar, esse simples e direto olhar, essa condição psicológica se desfaz. Isso é o fim para a insatisfação, isso é o fim para o sofrimento, isso é o fim para o medo. Algo novo surge. Esse Algo novo está presente em razão do florescer da Real Meditação.

Ter uma aproximação dessa na vida é ter uma compreensão da beleza da vida, sem esse centro, que é o “eu”, o ego. Não há insatisfação, não há sofrimento. Esse é o nosso trabalho, essa é a nossa proposta aqui para você.

Abril de 2024
Gravatá – PE, Brasil