Existe algo que nós precisamos ver aqui juntos. O ser humano não está à procura da Verdade, ele está numa procura para o fim dessa velha condição em que ele se encontra. O que nós temos percebido é que as pessoas nos procuram para lamentar, se queixar, olhar para a dor que estão sentindo e dela querendo se livrar.
As pessoas não nos procuram para investigar a Verdade, e isso se explica de uma forma muito simples: nós desconhecemos a Verdade sobre quem nós somos. Nós desconhecemos essa estrutura e natureza desse “eu”. A ilusão, a ignorância, a não compreensão disso nos coloca numa condição onde não temos qualquer anelo pela Verdade. Tudo o que queremos é nos livrar da dor, e aqui nós nos deparamos já com a primeira dificuldade.
Não podemos nos livrar da dor querendo nos livrar da dor. Querer se livrar da dor não é suficiente para se livrar da dor. É necessário ter a compreensão do que essa dor representa. Não é o entendimento verbal, não é uma compreensão intelectual. A compreensão intelectual é um entendimento verbal; você entende se analisa. Mas aqui analisar não resolve, ter um entendimento intelectual do assunto não resolve.
É necessário ter um constatar direto, um perceber direto, um olhar direto para essa questão da dor; é quando percebemos o elemento de dualidade presente dentro da experiência da dor, esse elemento que sustenta essa dualidade. E aqui a dualidade é esse “eu e a dor”, esse “mim e essa situação que surge, que se mostra”.
A ciência nesse olhar para a dor lhe mostra essa dualidade. Esse elemento em dualidade é o “eu”, é o ego, é ele que se separa daquilo que se mostra aqui, daquilo que está agora, aqui. Ele se separa querendo se livrar, fazer algo, querendo eliminar essa dor, não compreendendo claramente que essa dor está sustentada exatamente porque esse “eu”, esse ego está presente. Não há qualquer separação entre aquele que está na dor da própria dor.
Então, essa primeira dificuldade é a crucial dificuldade, a mais relevante dificuldade que nós temos. Por não compreendermos a nós mesmos, por nunca termos estudado a nós próprios, nunca entramos em contato direto com esse “eu”. Nós estamos sempre olhando para a experiência a partir do “eu”, mas nunca investigamos a natureza do “eu”, que é esse que está observando a experiência, então há essa separação.
Por exemplo, quando você está triste, você nunca suspeita que não há qualquer separação entre você e a tristeza, mas, repare, é tão simples: não pode haver tristeza sem alguém triste. Notem que coisa interessante temos aqui. Você nunca viveu uma tristeza sem estar presente, você não pode ter uma lembrança sem estar presente, você não pode ter uma alegria sem estar presente. Então, não há separação entre você e a alegria, você e a lembrança, você e a dor, você e essa tristeza. Não há qualquer separação. Nós temos sempre dois elementos, sendo dois elementos que estão ilusoriamente separados, supostamente separados, porque o que temos é uma experiência.
A Real aproximação da Verdade requer uma aproximação que lhe mostre que não há qualquer separação. Portanto, essa dualidade está sendo a base para a desordem, para a confusão, para o sofrimento, e isso está presente em razão da ignorância, da ilusão. Então, nós não temos uma inclinação para descobrir a Verdade e, sim, para nos livrarmos do sofrimento.
No entanto, repare bem claramente isso aqui: não podemos nos livrar do sofrimento, porque você é o sofrimento. Não podemos nos livrar da angústia, do medo, da ansiedade, da depressão, porque não há separação entre esse deprimido e a depressão, entre a angústia e esse angustiado, assim como não há separação entre essa tristeza e esse que está triste.
A compreensão disso é o contato com a Verdade. O contato com a Verdade liberta. A Verdade é a ciência daquilo que está agora, aqui. A ciência disso que está agora, aqui é a ciência do que É, do que se mostra, do que está presente. Então, o sentido do “eu”, do ego, desse “mim” nunca está separado de sua experiência e, no entanto, ele está o tempo inteiro se separando de sua experiência. É fascinante essa descoberta. Ele se separa da experiência querendo se livrar.
Como vencer a depressão? Como vencer o medo? Como me livrar do sofrimento? São as perguntas, mas, reparem: a separação está presente, e se essa separação está presente, está presente a ignorância, a ilusão, está presente a dualidade, então, não há Verdade, não há compreensão, não há um contato direto com a experiência. O que temos presente é esse modelo de separação, de dualidade. Então, porque não há Verdade, não há Libertação e nós não temos o fim para essa condição, que é a experiência.
Vejam como é simples isso; ao mesmo tempo, é muito novo para a maioria de nós ouvir algo assim. Você não pode se libertar, você pode tomar ciência do experimentador na experiência, e essa ciência do experimentador na experiência é o fim para esse experimentador, isso é o fim para essa experiência. Então há uma Libertação, mas não é o “eu” se libertando, é só uma Libertação acontecendo. A Libertação está presente quando o “eu” não está, quando a experiência não está.
Quando não há mais essa separação, quando o experimentador é a coisa experimentada, quando o pensamento depressivo é o próprio deprimido, quando essa separação desaparece, quando há só uma Realidade presente, que é a experiência, o que ocorre? Quando não há resistência, quando não há luta, quando não há o desejo de modificar, de alterar, de se livrar, nós temos nesse momento a ausência da separação, da dualidade, e quando a dualidade termina, a experiência passa por uma radical transformação, porque não há mais o elemento experimentador.
Diante de um pensamento, não coloque o pensador, aquele que quer se livrar, ajustar, modificar, agarrar, se envolver com o pensamento. Então, quando não há mais o elemento de separação, não temos mais a dualidade, então, nesse instante estamos diante do que É. O que É é a presença da Vida, é a presença da experiência sem o experimentador, então nesse experimentar está a Vida, está o que É. Nesse momento ocorre Algo fora do conhecido, Algo fora dessa dualidade. Essa dualidade, vou repetir, é resistência, é luta, é o desejo de se livrar, de fazer algo com aquilo que aqui está presente.
O que estamos relatando para você aqui é o contato com o Autoconhecimento. Esse Autoconhecimento é, simultaneamente, a presença da Meditação, do contato Real da Meditação, da Real Meditação presente. Então, estamos diante do fim, de verdade, para o sofrimento quando há o fim para esse sofredor; estamos em contato direto com toda essa representação que vem do passado, que diante desse momento, que é o momento da experiência, esse passado está sendo visto, porque estamos diante da pura observação sem o observador. Notem que isso requer a presença de uma Atenção sobre todo o movimento do sentimento, da emoção, do pensamento, da percepção.
A direta Atenção sobre esse movimento é o fim para essa dualidade, isso é o fim do “eu” e de sua experiência. É o fim para o medroso e o medo, para o sofredor e o sofrimento, para aquele que está triste e a sua tristeza, é o fim para o pensador e o pensamento. Investigar isso, olhar isso, tomar ciência disso é possível quando há esse “olhar” para todo esse movimento interno dentro de você. Um olhar que requer a presença dessa Atenção sem qualquer escolha, sem qualquer desejo, sem qualquer motivo, sem qualquer intenção.
Estamos lhe mostrando aqui o fim para a ansiedade, para a depressão, o fim para a angústia, o fim para o medo, o fim para a contradição dos desejos. Observe que tudo isso produz muito sofrimento. Onde há contradição entre os desejos, quando eles se opõem, quando há esse conflito de contradição interna dentro de cada um de nós em razão dessa dualidade, nós temos o sofrimento. Estamos lhe dizendo que o fim do sofrimento é possível, o fim da depressão é possível, o fim da ansiedade é possível, o fim da angústia é possível.
Tomar ciência de todo o movimento do “eu”, do ego, apenas colocar ciência nisso, sem se separar, sem se dividir pela intenção, pela motivação, pelo julgamento, pela vontade de fazer algo. Apenas constatar isso. Constatar a experiência, tomando ciência desse movimento que vem do passado para julgar, comparar, avaliar, rejeitar, querer fazer algo com isso.
Tomar ciência disso é o fim dessa separação, é o fim dessa dualidade. Isso requer essa presença dessa Atenção Plena. A beleza da Atenção Plena, a Verdade da Atenção Plena é que nela não está presente o elemento “eu”, o “mim”, o ego, aquele que quer manter a continuidade da experiência e aquele que também quer se livrar da experiência, que é o experimentador.
Então, o nosso propósito aqui nesses encontros é tomarmos ciência da Verdade, porque a Verdade liberta. A Verdade traz essa Liberdade; é a Liberdade da ausência do “eu”, da ausência do ego.