Você sabe qual é o segredo? Testemunhar. Isso é algo muito simples, mas não é tão fácil. Você vai continuar sempre se confundindo com estados que surgem. Quando você se der conta, já terá sido capturado. Mas agora você tem essa base de trabalho, então, quando perceber que foi capturado, volte a testemunhar. Comece a olhar para si mesmo.
Você vai se embolar, se desembolar e se embolar… vai passar um dia inteiro embolado, aí à noite, antes de dormir, vai observar que está embolado e dirá “uau! Estou embolado!”, então já começará a se desembolar.
Testemunhar! Testemunhar é o segredo! Se você não puder testemunhar a si mesmo, quem fará isso? Você é a única testemunha de um crime secreto. Se você não conseguir testemunhar o crime, ninguém vai testemunhar em seu lugar.
Meditação é uma coisa maravilhosa, porque não tem fraude aí, não tem como você usar de fraude para pôr fim a essa fraude do “eu”. O que a minha experiência mostrou é que quanto mais identificado você está com o corpo e a mente, mais esses estados egoicos o controlam, e quanto mais você se desidentifica do corpo e da mente, mais esses estados perdem o poder de controlá-lo. Ou seja, a confusão é a identificação com a mente e o desconforto é a identificação com o corpo.
Momentos de desconforto são interessantes para você observar o corpo. Quando você sente uma dor física, também. Essa observação é uma ferramenta extraordinária para você trabalhar essa desidentificação. Eu descobri que quando você se identifica com o corpo, o desconforto aumenta, e quando você se desidentifica, ele diminui. O que vale para o corpo também vale para a mente.
Então, quando você se embola com pensamentos desconfortáveis, a confusão se instala. A identificação com a mente é confusão, e confusão é sofrimento. Identificação com o corpo é desconforto, e desconforto é sofrimento – esse é um psicológico desconforto que a mente traz para o corpo. Assim, o desconforto do corpo pode chegar a sofrimento mesmo, e isso é psicológico.
Você não é o corpo, você não é a mente! É quando isso tem uma valorização na experiência que se torna uma fraude. Foi muito tempo se embolando com o corpo e com a mente, foi muito tempo sem testemunhar os estados, se embolando com os estados, se confundindo com o corpo, se confundindo com a mente.
É por isso que as pessoas chegam num desespero psicológico interno extraordinário na hora da morte: tudo o que elas têm sobre quem são, sobre quem acreditam ser, é o corpo e a mente.
Ninguém testemunha isso! O ego vive numa dispersividade total, embolado com sensações. É um bom conhaque, um bom charuto, um bom uísque, uma boa sensação, um pedaço de chocolate na boca… é sempre alguma coisa! É uma identificação completa com estados de prazer e de dor que o corpo experimenta, e isso nunca é testemunhado.
É por isso que você se apega a sensações com facilidade. Você não desfruta das sensações, você se apega a elas. Você se agarra àquilo para que faça parte do repertório desse centro falso, desse falso “eu”. Você fica apegado à sensação, não a deixa ir embora, e isso lhe dá uma identidade falsa.
Então, as pessoas ficam viciadas em chocolate, em sexo, em cocaína, em uísque, em comida, em bebida… Elas são o corpo – é assim que elas se veem, é assim que elas sentem sobre quem elas são, e isso é desesperador na hora da morte. Elas passaram a vida inteira pensando e sentindo, e agora se veem na iminência de perder isso tudo. O ego pressente que isso tudo vai desaparecer e ele se desespera. Tudo por quê? Porque essas pessoas não aprenderam a testemunhar a si mesmas durante a vida, a testemunhar o “crime”, esse “crime” de se identificar com o que não são, vivendo em constantes estados mutáveis de ansiedade, estresse, nervosismo, cansaço, preocupação, medo, desejo, ansiedade, depressão…
Como não aprenderam a testemunhar esse “crime”, esse personagem, essa falsa identidade, passaram a vida inteira se confundindo com o que não são, e isso é tudo que elas, como pessoas, têm.
Então, o que eu descobri foi isso, que quanto maior a sua identificação com a experiência “eu sou o corpo, eu sou a mente”, maior o sofrimento, maior a confusão, maior o desconforto psicológico, emocional e físico também.
Uma coisa é você deixar o corpo cuidar dele, outra coisa é você colocar no corpo uma atenção desnecessária. Quando o corpo sente calor, ele se move; quando ele sente frio, ele se move. Se você ficar sentado por muito tempo, o corpo vai se sentir desconfortável e vai começar a se mexer, é só uma questão de você observar que o corpo vai buscar o caminho dele para o conforto, isso é natural.
Quando você está dormindo, o corpo se movimenta e você não está ali. Pergunte aos médicos e eles vão explicar para você por que isso acontece. Se o corpo ficar numa posição por muito tempo, ele queima, aquelas partes do corpo que ficam em contato com a superfície queimam, então o corpo sozinho vai buscar novas posições. A não ser que o corpo esteja sedado ou incapacitado, ele vai buscar posições para não se queimar, para não se machucar, para se autoproteger.
Então, uma coisa é o corpo buscar algo. Ele naturalmente tem esse movimento. Se ele sente frio, fome, calor, dor, ele naturalmente começa a buscar algo para encontrar alívio. Outra coisa é você dar psicologicamente uma identidade ao corpo, e é isso que acontece na identificação “eu sou o corpo”.
Assim, quanto menor sua identificação com essa ideia “eu sou o corpo”, mais o corpo busca o seu próprio caminho e menos sofrimento psicológico está presente aí, porque menor é a identificação com um centro falso, com esse falso “eu”.
Nós não aceitamos que o corpo esteja sofrendo mudanças e esteja, de fato, caminhando para o fim. No ego, você está sempre tentando alguma coisa, interferindo, intervindo… Você faz isso com o uso de drogas, de substâncias químicas, de substâncias de excitação… É um misto de sofrimento psicológico e desconforto físico que o ego está sempre buscando diminuir, ignorar. Isso é sofrimento.
Fome, frio, calor, dor, prazer, tudo isso é inerente ao corpo. Você passou muito tempo acreditando que é o corpo e agora está tendo problemas. O problema agora é se desconectar dessa crença, soltar isso.
Na mente acontece a mesma coisa, você diz para si mesmo “fulano não gosta de mim”. Você passou muito tempo com pensamentos desse tipo, esperando apreciação, sendo depreciado, sendo rejeitado. É uma coisa imaginária, mas é difícil se livrar da imaginação porque na hora que ela acontece, ela se torna muito real, e a mente sempre busca algo para confirmar essa imaginação. É uma crença que não está só dentro de você, ela está no mundo à sua volta, então o mundo vai confirmar essa sua crença. Aí vem a rejeição, a tristeza, a depressão, o medo…
Então, se livrar disso é um trabalho. Esses estados mentais estão sendo criados e fortalecidos pelo pensamento, e você confia nisso. A questão toda é essa: você confia nisso! Isso é uma questão de condicionamento. Você foi educado, treinado, você tem prática nisso, em confiar em pensamentos. Você é bom nisso! Você é bom em acreditar no que o pensamento diz, mas é muito fraco em testemunhar.