Você foi programado, condicionado, a ver a multiplicidade, a diversidade e os fenômenos como sendo a sua realidade, a “sua” experiência. Assim, a sua experiência é individual, e a diversidade, a multiplicidade e todos os fenômenos estão acontecendo para esse “indivíduo”. Esse seu modo de ver o que acontece, que é bem particular, é o modo distorcido de se ver no contexto da vida, da existência. Esse modo particular de se ver é, naturalmente, conflituoso, pesado, frustrante.
Você precisa se desabituar de se ver dentro de um contexto de multiplicidade, de diversidade, de fenômenos. Esse modo programado de se posicionar coloca você numa sujeição a crenças limitantes. Esse é o modelo comum, o modelo da mente egoica, cultural e socialmente aceito, de puro condicionamento. A natureza verdadeira de todas as aparições, de todos os fenômenos, de toda diversidade, de toda multiplicidade, é essa Presença, onde tudo acontece; essa Consciência, onde tudo aparece.
Quando você vem a Satsang, não pode esperar de mim alguma coisa, se “essa alguma coisa” é a confirmação dessa ou daquela crença que você tem. O propósito desse encontro é revelar a Verdade do que você é. Assim sendo, é essencial você se despir completamente de suas razões, de suas convicções, de suas crenças.
A Liberdade reside nessa flexível visão, nessa habilidade de ver as coisas como elas, de fato, são, e todo o treinamento que vocês receberam não é para isso. Vocês estão treinados, religiosamente, politicamente, ecologicamente, socialmente e culturalmente. Vocês têm muita política e religião dentro da cabeça; têm muitas opiniões, crenças, e muitos conceitos. Isso tudo tem que ser solto, todas essas “aves” precisam ser soltas, todas essas “gaiolinhas” têm que ser abertas. Nesses encontros, uma das muitas “gaiolinhas” preciosas, bastante decoradas, que vocês carregam é a religiosidade, ou a espiritualidade. Parece que esse é o meu maior problema com vocês… ou melhor, é o maior problema de vocês comigo. Vocês têm que deixar isso também.
Deus é a realidade do seu Ser, não é uma doutrina, não é um modelo de crença ou o resultado de muitos anos de práticas espiritualistas, nem algo que você só vai compreender no final de tudo isso. Absolutamente! A Verdade, a Consciência, a Realidade, seu Ser, é muito natural, é muito simples… Assim como Deus! A mente transforma o que é simples em complexo, o que é natural em algo excepcional, extraordinário. O ego adora isso: o extraordinário, o excepcional, o complexo. Você não pode se aproximar de um trabalho como esse dessa forma, sabendo tanto, tendo tantas certezas sobre o que é e o que não é. Dê-me um exemplo de algo que você não aprendeu, que é seu, que é original…
Por exemplo: você acredita que a Verdade se ajusta a uma cultura? Se você tivesse nascido numa floresta, no meio do mato, lá entre os índios, e fosse um deles, com seus hábitos de se vestir, de comer, e fosse trazido para uma cidade, como Fortaleza, e lhe dissessem: “Agora você vai se vestir assim, vai comer frango a passarinho e baião de dois”… Você teria piorado ou melhorado a sua situação para realizar a Verdade? Eu só quero saber se, do ponto de vista da Realidade, da Verdade, alguém que nasceu lá no meio da floresta, sendo índio, está mais próximo de Deus do que quem nasceu no Ceará e come baião de dois, carne de sol e rapadura. Quem está mais próximo da Realidade, aquele que vive numa cultura como essa ou que vive numa cultura como aquela?
Onde eu quero chegar com isso? Segundo a espiritualidade que vocês aprenderam, quem está mais próximo de Deus é quem não come carne, por exemplo… Nem toma coca-cola. Foi isso que vocês aprenderam, porque isso não é “espiritualmente correto”? Então, eu só estou dando um exemplo de que você tem de desaprender muita coisa ainda, acerca do que lhe foi ensinado sobre a possibilidade de Realização da Verdade sobre si mesmo. Isso não é cultural! Isso está além da cultura, da espiritualidade, da lei das práticas ascéticas.
Quem está mais próximo de Deus?
Eu nunca fumei na minha vida. Quando botei um cigarro na boca pela primeira vez, tossi e achei aquilo horrível; não quis aprender a fumar. Fui criado num ambiente religioso, nunca fumei, nem bebi, e, até hoje, se tomar um gole de cerveja, acho amargo, horrível! Mas… Quem está mais próximo de Deus? Quem está mais longe de Deus? Será que alguém que fuma ou que toma whisky não pode realizar Deus? Estou somente dando um exemplo de como você está condicionado a modelos impostos pela espiritualidade. Nesse sentido, os gurus também são culpados disso, porque são eles que inventam essas coisas todas.
Eu tive a felicidade de nunca ter escutado um guru, por 21 anos. O único Guru que eu ouvia falava dentro do coração, e poucas vezes falava alguma coisa dentro da minha cabeça. Então, eu não aprendi espiritualidade, cultura espiritual. Quando Ele chegou na minha vida, chegou para me mostrar como desaprender tudo, inclusive teologia evangélica, cristã… Nada disso é real!
Se você está buscando espiritualidade, está no lugar errado, porque é nessa dualidade, neste conceito de multiplicidades, diversidades, que se dá muita importância a fenômenos espirituais. Se a sua disposição é para realizar a Verdade sobre si mesmo, seja bem-vindo a Satsang. Mas, lembre-se de que eu não vou lhe ensinar nada, porque vocês já sabem muito, muito mesmo… Sabem muito de tudo! Quanto mais você sabe, quanto mais conhecimento tem, mais você está enrascado, encrencado. Nosso interesse aqui é no Amor, não no conhecimento… É na Verdade, não no que é certo ou errado, no bem contra o mal, nem nas diversas crenças, como céu e inferno, reencarnação, purgatório…
Nesses dias, eu ouvi alguém escrever algo que dizia assim: “O Rio de Janeiro está sob um carma muito negativo, por isso é que está acontecendo tanta guerra, tanta morte, tanta criminalidade”. O que acontece na sua vida não está acontecendo a você, mesmo que levem seu carro para não devolverem mais, devido a um assalto à mão armada. Isso já aconteceu a “você”? Aconteceu na “sua vida”? Mas essa é a “sua vida”? Você dá muita importância ao que acontece, ou ao que parece acontecer, e não dá nenhuma importância a si mesmo.
Aqui é o inverso: eu ensino você a dar toda importância a si mesmo e não ao que acontece, até chegar o dia em que você verá que o que acontece só parece acontecer, mas nada toca Você; nada o tira de onde Você está ou muda o que Você é. Uma coisa que é uma marca das aparições é que elas vão desaparecer: o carro vai desaparecer, a casa e os móveis vão desaparecer; o marido, a namorada e os filhos vão desaparecer também; este corpo, a beleza física, vai desaparecer também. É… Paciência… Quando você tem 15 anos, possui uma beleza; aos 35, já tem outra; aos 75, outra; e, quando tem 95, outra. Ou seja, uma marca daquilo que aparece é que vai desaparecer.
Então, nosso interesse, em Satsang, é descobrir Aquilo que é atemporal, imperecível; Aquilo que o ladrão, o tempo e pessoas não levam; Aquilo que não faz parte de nenhuma crença; “algo” que está aqui e agora… sempre aqui e agora; Aquilo que vê os fenômenos como simples fenômenos, a multiplicidade como multiplicidade e as diversidades como diversidades, mas não se confunde com elas.