Esse esse modelo de existência “nossa” é um modelo onde a gente está dentro dessa continuidade; essa é a continuidade da vida em problemas. Então falar sobre a possibilidade de estar livre de problemas é algo muito desafiador e, no entanto, estamos diante de algo possível para cada um de nós. Contudo, você precisa se aproximar disso, é fundamental se aproximar disso. Essa aproximação só é possível quando você se conhece. Existe algo que nós não sabemos sobre a base dos problemas. Para nós, somos “alguém” no mundo lidando com a vida. Separados da vida, a vida se mostra num formato onde nos parece que esse desafio que ela representa tem que, necessariamente, representar problemas para nós. Isso não é verdade! Não é verdade!
O que nós precisamos é de uma mudança, de uma profunda e radical mudança em nós mesmos. Não é a vida que tem que mudar o modelo, a representação desses desafios, que nos parecem ser a causa dos problemas. Nós precisamos é de compreensão sobre nós mesmos, precisamos nos compreender de forma completa, total e definitiva, uma compreensão absoluta da Verdade sobre quem nós somos. Essa compreensão da totalidade de nós mesmos – uma palavra que eu tenho usado nessas falas, nesses encontros que, em geral, as pessoas usam, também, em sociologia, em psicologia, em filosofia, eu emprego a mesma palavra, mas com um significado talvez um pouco diferente –, é Autoconhecimento.
O que é Autoconhecimento? É a compreensão da totalidade de todo esse processo de ser “alguém” no mundo, de viver como “alguém” no mundo. A compreensão do processo da totalidade sobre quem somos é Autoconhecimento. Então o que é Autoconhecimento? São nossas tendências, nossas inclinações, nossas motivações, nossos pensamentos, tudo isso sendo vistos. É a compreensão de todo o processo do pensar, desse formato de pensamentos presentes dentro de nós, acontecendo aqui nesse instante, nesse momento. Então é a compreensão de todo o processo do pensamento, assim como a compreensão de todo o processo do sentir: “Por que ao olhar para alguém sinto isso?”, “Por que ao ouvir isso sinto aquilo?”, “ Por que quando algo se vai a dor fica?”, “O que é esse sentir?” Compreendem?
Compreender a si mesmo, essas inclinações, essas tendências, essas razões, não de uma forma introspectiva, analítica, intelectiva, dedutiva, aqui eu me refiro à uma compreensão completa, total, uma visão. Você não faz isso com o intelecto – o intelecto pode tirar suas conclusões, analisar as coisas. Em geral, estamos muito, muito apaixonados, acreditando ou querendo acreditar mais e mais na capacidade do intelecto, na razão dessa compreensão daquilo que se passa com nós mesmos. Para nós, o intelecto é uma ferramenta, e aqui eu quero dizer: intelecto é parte daquilo que aparece, ainda, como uma inclinação, como uma tendência. Então quando eu me refiro a essa compreensão, não é intelectual, é uma compreensão que lhe faz perceber a totalidade de todo esse processo do pensar e do sentir. Isso é possível! O instrumento que temos em nosso corpo, ligado a esse processo de direta observação, nesse Autoconhecimento – o instrumento ou a ferramenta mais delicada –, é esse cérebro, ele em geral está entorpecido, ele em geral está lerdo, está viciado dentro desse modelo de inconsciência tão comum a todos, porque nos falta autoinvestigação. Essa autoinvestigação é a base para esse Autoconhecimento, uma vez que Autoconhecimento é a compreensão de todo esse processo, vou repetir, de todo esse processo do pensar e do sentir . Quero repetir isso: você não vai analisar isso, você não vai especular sobre isso, você não vai tirar conclusões sobre isso, você vai se tornar ciente desse processo em você, ver suas dependências emocionais. Isso é ver o processo do sentir, é estar em contato direto com ele e perceber o quanto isso lhe coloca numa condição de autolimitação imposta por você mesma, por você mesmo, dentro dessa inconsciência. Isso acontece com o sentir e acontece com o pensar. Há muita agitação psicológica dentro desse mecanismo cerebral. O processo do pensamento em nós é completamente caótico. Então o nosso pensar e o nosso sentir carregam sempre essa condição, sustentando toda a forma de sofrimento presente em nossas vidas. Não é a vida, nem está na vida, nesses desafios que ela nos apresenta, o problema é, sim, no modo como nos aproximamos da vida, porque nos falta uma aproximação de nós mesmos.
Se você não compreende a si mesmo, se você não se compreende, se não há essa compreensão da Verdade sobre você, toda a relação que você tem, que você possa ter no mundo será sempre uma relação que a base será a ignorância; e com esse cérebro inquieto e com a falta dessa compreensão da Verdade sobre quem você é, toda a sua vida se constitui de problemas. Então o problema consigo mesmo é o problema com o outro, é o problema com o mundo, é o problema nas relações. A realidade do seu Ser é um cérebro novo presente. Uma vez que você constata a Verdade sobre quem você é, toda essa caótica, toda essa condição, toda essa desordem, toda essa bagunça psicológica, desaparecem. Então um cérebro novo surge, e com um cérebro novo você tem um coração novo, é quando todos os problemas se dissolvem, ou melhor, todos os problemas são vistos como, de fato, eles são. Não há problema, o que nós temos é a vida como ela se mostra – algumas coisas são agradáveis para “mim”, outras não são agradáveis para “mim”, algumas “eu” quero e outras “eu” não quero. É possível estarmos livres desse “mim”, desse “eu”, então não haverá coisas agradáveis para esse “mim”, nem haverá coisas que “eu” quero e coisas que “eu” não quero. Compreendem isso?
Nossa vida egoica, que é essa vida na falta da compreensão da Verdade dessa totalidade do nosso próprio Ser, d’Aquilo que somos – a falta dessa visão sobre quem nós somos –, sustenta esse “mim”, sustenta esse “eu”. Esse “eu” tem essa vaidade, tem essa arrogância, tem essa presunção, tem essa separação. Ele se vê separado e ele se vê com escolhas. Tem o “gostar” ou “não gostar”, o “querer” e o “não querer”, o “desejo que consigo realizar” e o “que não consigo realizar”, que representa a frustração, então nós temos o problema. O único problema presente é esse “mim”, esse “eu”. Esse “mim”, esse “eu”, pode se dissolver, porque se ele se dissolve, os problemas se dissolvem. “Eu não gosto de fulano”: olhe para si mesmo, observe suas reações, observe sua arrogância em julgá-la, em compará-la com outra, em ver que ela não preenche suas expectativas egoicas. Perceba, você irá ver porque você não gosta dela. Estamos juntos aqui?
O seu problema não é com aquela pessoa. O seu problema é com você, você não está bem com suas escolhas, com seus preconceitos, com as suas indisposições internas, e o outro parece ser a causa, a razão, e não é. Você é o problema do mundo, de suas relações, da vida. Não há problema lá, o problema é o “eu”, é o ego, é esse “mim” que “gosta” e “não gosta”. “Não fui com a cara dele, não fui com a cara dela”: você não está bem! Você não está bem! A cara dela é como a cara de qualquer outra pessoa: tem um nariz, tem dois olhos, uma boca. É psicologicamente o problema com aquela cara, e se é psicologicamente o problema com aquela cara, nenhum problema está fora, está sempre dentro. Olhar para esse processo do pensar e do sentir é a base para o fim de todos os problemas na sua vida – problema de relações com o mundo, de relações com o outro e de relações com você mesma. É curiosa a expressão “relações com você mesma”. Relação sempre implica dois, o ser humano vive de uma forma tão caótica, tão absurdamente estúpida que consegue se relacionar consigo mesmo. Como é possível você ser mais de um dentro de si próprio para poder se relacionar consigo mesmo? Não há essa integridade, essa individualidade, esse sentido Real de Ser, então você tem muitas personagens dentro de si mesma, de si mesmo, e parece que você quer ajustá-las, para que tenham harmonia, e percebe que isso não é possível. Então você precisa de alguém que diga: “Você precisa estar bem consigo mesma”. Gente, se você é Real, você não está mal nem consigo mesmo, nem com o mundo, porque não existe nenhuma separação mais entre você e o outro, entre você e a vida, entre você e o mundo. Quem inventou esse “você com você mesma”?
A maioria de nós não parece perceber a importância da compreensão dessa mudança, dessa transformação em nós mesmos, então tudo continua. Você vai ter mais trinta, cinquenta, sessenta, setenta anos e vai morrer – todos morrem. Todos querem afastar essa possibilidade da morte para mais longe, ninguém gosta da palavra morte. Por que isso nos assusta? Eu não estou afirmando, eu estou fazendo uma pergunta: por que isso nos assusta? Porque nós queremos a continuidade de uma vida em problemas, desde que nos sintamos vivos, está tudo bem. Mas quem é esse que se sente vivo? A pergunta é: “Quem sou eu”?
Se você não tem o Autoconhecimento, que é a base da compreensão da Verdade sobre quem você é, haverá medo e você irá sempre tentar afastar essa coisa chamada morte para bem longe, como se isso não viesse ou não fosse possível acontecer, como se já não estivesse chegando – mas isso está vindo, isso está chegando. Vamos ver o fato da morte, não o afastamento através de uma ideia, de uma crença de que você terá uma vida imortal, de que você viverá uma outra vida ou todo tipo de crença que nós temos. Isso é para nos dar esperança de que não vamos morrer, mas nós vamos morrer, e quando você morre, todos seus desejos e medos não podem mais se expressar. Curiosamente, esse é o seu único medo, você não tem medo exatamente da morte, você tem medo de deixar de ser essa pessoa. Tudo bem gente?
Então vocês não acham que é importante descobrirmos a Verdade da vida, agora, aqui? É porque não sabemos a Verdade da vida, agora, aqui, que nós temos medo da morte. Já coloquei: não é o medo, em si, do desconhecido, porque ninguém sabe o que é o desconhecido; o que você tem medo é de deixar seus desejos e seus apegos, sua vida sofrida de medo e de frustração.
A compreensão da Verdade sobre quem nós somos é o fim do medo, isso é o fim da morte, isso é a compreensão da vida. Para compreender a morte, é necessário, internamente, psicologicamente, compreendermos a Verdade sobre quem nós somos. E por que? Porque a compreensão da Verdade sobre quem nós somos é o fim desse “eu” psicológico. Então você, pela primeira vez, descobre o que é estar morto, psicologicamente, livre do seu passado, livre da sua história, livre dos seus desejos e livre dos seus medos. É quando você sabe o que é a morte é que você sabe o que é a vida. Se o ser humano estivesse realmente vivo e vivendo a Verdade sobre quem ele é – a Verdade do seu Ser –, não haveria medo da morte, não haveria medo de perder o que conhece. Tudo bem gente? Precisamos realizar a Verdade sobre quem somos. Ok?
Esse é o assunto, olhem para isso. Olhem para isso!