Vamos colocar para vocês alguma coisa sobre essa questão fundamental do Amor. Eu vejo uma proximidade, uma coisa muito intimista entre o Amor e a morte. Na verdade, nós não sabemos o que é o Amor. Para nós o amor é uma experiência de sensação. Essa associação da palavra “amor” a uma experiência de sensação é algo muito forte em nós – tem sido assim desde criança. Todo o tipo de afago, carinho e toque que recebemos, que nos confere alguma forma de prazer, esse prazer é sensação. Uma criança vem recebendo isso desde muito pequena.
Em nosso cérebro, em nosso intelecto, esse afago, carinho, prazer, que é uma mera sensação, associamos isso à palavra “amor”. Então, “aquele que me dá isso é aquele que me ama”. Nossos cérebros condicionados estão sempre relacionando uma sensação de prazer, de preenchimento, de satisfação a essa coisa chamada “amor”. O amor é isso? O amor é um sentimento?
Uma sensação está dentro do sentimento, mas o pensamento também carrega a sensação. Observem que quando você tem uma lembrança, isso é um pensamento, mas é um pensamento carregado também de sensação. Um pensamento carrega sentimento. Nós associamos, em geral, toda essa sensação de prazer, esse sentimento de prazer a essa coisa chamada “amor”. Então, nós usamos a expressão “amor” sem saber o que isso significa.
O ser humano é muito curioso, porque ele é um ser muito interessante. Não só a palavra “amor”, mas as palavras “Deus”, “verdade”, “liberdade”, tudo isso dentro de nós tem associações; associações de sensações, de sentimentos, de emoções. Então, nós acreditamos que sabemos o que significa a palavra “Deus”, porque há uma forte sensação envolvida nisso.
Em nossa cultura, onde há essa crença geral em Deus, desde pequenos crescemos ouvindo músicas, frases, poesias, palestras, e lá estava essa palavra “Deus”. A vida religiosa que recebemos está muito associada a essa palavra. Assim, a nossa experiência de sensação, de emoção e sentimento em relação a essa palavra é muito forte, então nós temos a ilusão de que nós conhecemos Deus, porque isso nos emociona, nos cria uma sensação, um sentimento particular. O mesmo ocorre com a palavra “amor”, com a palavra “liberdade”. Sobretudo para aqueles que estão dentro de condicionamento político ou dentro de um certo treinamento filosófico, a palavra “liberdade” tem um forte impacto sobre eles. O mesmo ocorre com a palavra Deus para os religiosos.
Não podemos negar a Realidade da Liberdade, nem do Amor, nem de Deus, mas não podemos associar essas palavras àquilo que nós acreditamos – e é isso que nós temos feito. Nós achamos que sabemos o que é o Amor; na verdade, tudo o que nós sabemos é condicionamento, é uma forma específica de pensar ligada a um sentir de puro condicionamento psicológico, de puro condicionamento, também, físico, a nível de sentimento, de sensação e de emoção.
Agora, eu pergunto a você: o que é o Amor? Será esse amor que nós conhecemos a Verdade do Amor? Será que esse “Deus”, que é uma palavra para nós, associada a uma sensação, será que Deus é isso, uma palavra ligada a uma sensação? “Eu amo você!” O que isso significa? Se você se aproximar e olhar isso de perto, você vai ver que com a expressão “eu amo você”, o que, na verdade, eu quero dizer é que você me dá prazer, é que você me satisfaz, você me preenche de alguma forma. O que, na verdade, eu quero dizer é “eu quero você”, “eu preciso de você”.
O Amor precisa de algo? A sensação precisa ser preenchida. Eu não sei se você já notou isso, que quando temos um desejo – que, na verdade, é uma sensação –, isso está sempre buscando uma forma de preenchimento. Quando essa sensação é negada, um desejo é rejeitado em “mim”, para “mim”, eu fico aborrecido, eu fico irritado. Se você não preenche a minha satisfação, se você não preenche o meu desejo, se você não preenche essa sensação que busco em você, eu não te amo mais, eu fico com raiva, você agora me aborrece, eu vou trocar você por outra (o). Cadê o amor?
O amor está presente enquanto você me preenche, enquanto a minha sensação é satisfeita. Esse é o jogo. Então, quando eu pergunto: você ama sua esposa? Você, com muita certeza, diz: “Sim, eu a amo”. Não fique aborrecido comigo, mas se ela colocar chifre em você, o que vai acontecer com esse “amor”? Haverá raiva, vontade de que? Qual será a sua reação? O amor está presente? Até quando ele está presente?
Então, o que nós temos na esposa? Uma companheira, uma cúmplice da nossa confusão, da nossa dor, do nosso medo, do nosso desejo. Ela é minha cúmplice enquanto faz parte do “meu mundo”. O que é esse “meu mundo”? Um mundo exclusivo desse “eu” que eu acredito ser, que pareço ser, que demonstro ser, cheio de exigências; e uma das exigências é ser amado, e ser amado é ser satisfeito emocionalmente, fisicamente, afetivamente, psicologicamente e sexualmente. Se faltar uma dessas coisas, o “amor” desce pelo ralo.
Não há Amor. O que existe entre nós são sensações. Se você preenche o meu “eu”, preenche o meu ego, me dá prazer, satisfação, uma aprazível sensação, “eu amo você”, até que…. É sempre assim que funciona. Nós não sabemos o que é o Amor, nós sabemos o que é o apego. Um objeto que me dá prazer, a ele estou agarrado, porque ele me satisfaz. Isso vale para qualquer nível de objetos. Eu disse exatamente isso: para qualquer nível de objeto. Os níveis de objetos parecem ser diferentes, mas do ponto de vista desse, assim chamado, “amor”, que é a busca de sensação nessa experiência, todos esses objetos para “mim”, para esse “eu” são só objetos.
Nós estamos sempre lidando com objetos, porque essa é a posição do sujeito. Examine isso, olhe para dentro de si mesmo, observe a verdade dessas relações que nós temos uns com os outros, observe isso claramente e você vai ver. Um carro nos dá uma satisfação, um preenchimento e uma sensação, mas não é sexual. A diferença está na sensação que os objetos nos causam e o que nós esperamos de cada objeto. Eu sei que não é nem tolerável ouvir isso assim passivamente, sem se aborrecer, mas é exatamente assim. A diferença dos objetos são as sensações que eles nos trazem e o quanto eles nos preenchem egoicamente, nesse autocentramento. Isso nós chamamos de “amor”.
Não sabemos o que é o Amor porque não sabemos o que é a morte. Você saberá o que é o Amor quando descobrir o que é a morte, o que é morrer para toda e qualquer experiência. A sensação está presente, há um momento de prazer, mas o prazer é solto, a sensação perde a importância, porque esse “eu” desaparece quando a morte acontece dentro da experiência. Então, é nesse sentido que eu uso aqui a palavra “morte”. Morrer para cada momento, isso significa uma vida livre do “eu”, desse autocentramento. Sua relação com a esposa, com os filhos, com os objetos será uma relação inteiramente nova, porque haverá Liberdade.
A Liberdade está presente porque a morte está presente. Então, se queremos descobrir o que é o Amor, não podemos jamais confundir isso; não confundam sensação, prazer, preenchimento, não confundam isso nessa mente que procura isso. A presença do Amor é a ausência da mente, dessa mente que procura sensação, que busca se preencher nas experiências, que internamente é dependente, que externamente é dependente. Internamente é psicologicamente: “eu me lembro dela, sinto falta dela, eu a amo”. “Eu me lembro dela, sinto falta dela porque ela me satisfaz, ela é tudo o que eu preciso para esse momento”: o desejo está imperando.
Quando o desejo está presente, a imagem do outro está presente, então “eu a amo”. Consegue amar as pessoas das quais não se lembra? Se eu digo: você ama a sua esposa? A imagem da esposa vem. Existe presença de esposa sem a lembrança de esposa? Há uma sensação. O que é uma imagem? O que é um pensamento? Uma lembrança. Você ama a sua esposa? Você vai dizer: “Já amei”. E por que você diz “já amei”? Porque antes de ser traído, você a amava. A lembrança que você tem dela agora, cadê o amor?
Então, repare: aquilo que nós chamamos de “amor” está associado à memória, a pensamentos. Qual é a verdade disso tudo? O “eu” não sabe o que é o amor, a pessoa não sabe o que é a morte. A pessoa não sabe absolutamente nada. Ela não sabe quem é Deus, mas diz “o meu Deus”, como a outra diz “o meu amor”. Será o amor uma coisa pessoal? Será uma coisa particular, associada a essa sensação que quando é preenchida me deixa relaxado e tranquilo, e que quando me é negada eu fico irritado e muito aborrecido? Qual é a verdade disso tudo?
Você não sabe o que é o Amor. Você não sabe quem é Deus. Você não sabe quem é o outro. Você não sabe quem é você mesmo. Mas os religiosos dizem, Jesus disse: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”. Sim, é perfeito o que Jesus disse. O que não está completo é aquilo que fazemos do que Jesus disse. Nós não sabemos o que Jesus disse, mas temos ideias sobre isso. Você pode amar o seu próximo? A pergunta é: quem é você? Sem descobrir a Verdade desse Amor que Você é, o que significa amar o seu próximo como a si mesmo?
Se você não sabe o que é amar a si mesmo, como pode amar o seu próximo como a si mesmo? Nós achamos bonito, associamos a sensações de cuidado, de carinho, de renúncia pelo outro. O que há por detrás disso tudo? O que é que ocultamos por detrás disso tudo? Que espécie de interesse carregamos? Que espécie de busca de preenchimento nós buscamos? Talvez elas não sejam tão declaradas assim, mas de uma forma sutil existe um interesse, assim chamado, “espiritual”, o que também ainda representa uma forma de sensação muito particular para o ego nesse, assim chamado, “amor”, associado a cuidado, à apreciação e a carinho pelo outro, o que não passa de caridade.
Amor não é caridade, Amor não é a sensação de se sentir melhor consigo mesmo porque está deixando o outro feliz. Talvez você diga: “Não, não há egoísmo aí, o ego não está envolvido nisso, isso é amor incondicional”. Isso é verdade? Você já percebeu como você se sente feliz quando deixa o outro feliz? Você está fazendo para o outro estar feliz ou você está fazendo porque é bom ser bom? Faz bem ser bom, te deixa feliz fazer o bem.
Então, não importa se esse, assim chamado, “amor” tem esses aspectos externos, aparentemente grosseiros, de busca de preenchimento puramente egoico, pessoal, declarado ou se essa busca de preenchimento está velada, oculta, disfarçada na aplicação de princípios, assim chamados, “espirituais” porque Jesus disse, porque Buda disse, porque Krishna disse.
Então, o que é o Amor? O Amor é aquilo que está presente quando o “eu” não está, quando o ego não está. É necessário nós descobrirmos o que é morrer dentro da experiência para a dor e para o prazer, aí podemos descobrir alguma coisa além da mente, além da sensação, além do preenchimento, além do prazer, além dos objetos, além das coisas, além do mundo, além da pessoa. Então o outro, agora sim, não está mais, não está mais lá. O outro sou eu mesmo. Essa é a presença do Amor – “Ama o teu próximo como a ti mesmo”.
Se o sentido do ego não está, a Verdade do Amor está, e esse Amor não é o outro, esse Amor é a presença da Realidade. Então, a Verdade sobre o seu Ser é a Verdade sobre o Ser, e aqui não tem mais o outro. Isso é cumprir o que Jesus disse. A visão da Verdade é a visão do Amor. Essa visão está presente quando o “eu” não está, quando o ego não está. Isso é Amor, isso é a morte, isso é a Vida, isso é Deus, isso é a Liberdade, isso é a Felicidade.
Repare, nós usamos de uma forma muito ampla essas palavras, associadas a todo tipo de coisa, e nada disso é Real. E aqui estamos dizendo que estamos lidando com uma Única Realidade. Realize seu Ser, Realize Deus, fique Quieto. Descubra a Verdade sobre Isso, deixe Isso assumir esse lugar nesse corpo, nessa mente, e o Amor estará presente. Antes disso é uma viagem do próprio “eu” nessa ilusão de conhecer as coisas e saber a verdade delas. Tudo isso é falso.