O medo não é algo abstrato. Nós não nos deparamos com o medo como uma coisa abstrata, mas como algo que se apresenta de uma forma muito real para esse sentido de “pessoa” que nós acreditamos ser. Esse sentido de “pessoa” não tem o medo como uma abstração, mas como uma realidade. E aqui eu quero continuar com você apresentando para você como lidar com esse medo, uma vez que o medo sempre irá se assentar nessa imagem, nessa autoimagem, nessa imagem que você faz de si mesma, que você faz de si mesmo.
Você tem construído uma imagem sobre si própria, está sustentando essa imagem, e essa imagem é aquela que sofre, e é essa imagem que sente que essa dor, que nós chamamos de medo, não é uma coisa abstrata.
Um outro aspecto do medo é que ele está sempre numa relação de dualidade, de separação, entre essa imagem que você tem de si mesma, que você tem de si mesmo – e essa imagem é uma ideia, uma crença… O sentido de uma “pessoa” presente é o sentido de uma autoimagem, engendrada, construída, pelo pensamento. A sustentação dessa imagem tem sido reforçada por todo esse contexto de sociedade, de mundo, de cultura e todo esse conjunto de crenças que você tem guardado, tem acumulado, tem adquirido ao longo desses anos.
Essa autoimagem… é ela que é ferida, é ela que sente esse peso, essa dor, que nós chamamos de medo. Então, não é uma abstração também por isso – porque é algo que está sempre dentro de uma relação, está sempre dentro de uma relação de dualidade entre esse “mim”, esse “eu”, essa imagem, e essa dada experiência que o pensamento diz ser a causa do medo.
Então, isso não é uma abstração, isso é algo muito real para esse sentido de “pessoa”, para essa autoimagem. Mas esse é um aspecto… Agora, eu quero colocar uma outra coisa aqui. Apesar de não ser uma abstração, eu vou continuar dizendo para você que a sustentação desse modelo de vida, desse modelo de existência, onde existe essa separação entre você e a experiência, que é sempre vista como a causa, a culpada do medo…. Eu vou sempre sustentar que essa dualidade é sempre sustentada pela inconsciência. E, se ela é sustentada pela inconsciência, ela não tem vida real.
Nesse sentido, o que nós chamamos de medo, é uma ilusão. Eu não me refiro ao medo físico, de um perigo iminente, físico, com o qual você se depara. O próprio cérebro tem um movimento de autodefesa física, psicofísica, para se proteger ou para não ser ferido, por exemplo, quando um carro vem em sua direção em alta velocidade. Naqueles poucos segundos, se há essa percepção do perigo, o cérebro tem um movimento de autodefesa, e o corpo é tirado daquela condição de risco, de perigo. Esse medo é algo natural.
Quando você se depara com uma cobra, há um movimento, já físico, de autoproteção, de afastamento imediato. Você pode até estar distante da cobra, mas quando você a vê, quando você a presencia, você se afasta um pouco mais ainda. Então, esse movimento de autoproteção, que também nós chamamos de medo, é um movimento natural da própria inteligência do próprio corpo, do próprio cérebro, de autoproteção.
Aqui, eu me refiro ao medo psicológico, ao medo que os seus pais já tiveram, seus avós já tiveram, seus bisavós já tiveram, o medo que você tem – o medo do inimigo invisível. O pensamento constrói perigos inexistentes. São perigos idealizados num pretenso futuro, imaginado pelo pensamento. Então, o pensamento tem antecipações; ele cria o futuro e coloca inimigos lá.
Se você tem uma palestra para dar… Você conhece o assunto, já estudou o assunto, e você se depara com o medo. Quando deita para dormir, antes do dia da apresentação, o pensamento surge e lhe coloca diante já da plateia, errando ou não acertando ou deixando coisa para dizer, que você tinha preparado para dizer, e você vê a plateia rejeitando sua apresentação. Esse é um exemplo do medo psicológico.
Mas você, aqui, pode pegar e encontrar muitos outros exemplos: o medo de ser traído, o medo de ser enganado, o medo de não ser aceito, o medo de não ser entendido, o medo de não se fazer entender… Tudo isso são formas de autoproteção psicológica, de antecipação, dentro desse fundo puramente egoico, dentro desse princípio de separação entre esse “eu”, que é basicamente autoimagem, e a dada experiência, que no caso é uma palestra, que no caso é o contato com uma outra pessoa, uma apresentação, ou a imaginação de “por que ele está demorando tanto? Já devia ter chegado! Por que não me passou um Whatsapp?”
Então, são exemplos de medos presentes que não têm qualquer realidade. Então, nesse sentido, esses medos são abstrações, idealizações criadas pelo pensamento. No sentido de ser sentido, nesse sentido de sentir, para o corpo e a mente, isso se mostra como algo que não é uma abstração. Mas, olhado de perto, é uma construção da autoimagem, e essa autoimagem é uma ilusão sustentada por essa falta de atenção à Verdade sobre quem Você é.
Veja, o sentido do ego, o sentido dessa autoimagem, que é esse ego, cria essa separação, porque ele cria o futuro, ele cria a imaginação, ele cria a imagem, ele cria o medo. O ego é a base do medo, do medo psicológico. Medo é, basicamente, sofrimento, é permanecer no sofrimento, é viver dentro dessa sustentação do sofrimento.
Então, esse medo do futuro é similar ao medo do passado; é porque algo não deu certo ontem que o pensamento antecipa dizendo “não vai dar certo amanhã”, “você lembra que não funcionou?”, “você lembra que você foi rejeitada?”, “você lembra que você não foi aceita?”, você lembra que você realmente não disse coisas que deveria dizer?”, “você se lembra da última vez que você se apresentou para a palestra?”, “você lembra que aquele primeiro namorado lhe traiu?”, “você lembra que, quando ela demorou, ela estava de verdade com outro?”
Então, é sempre com uma base no pensamento, com uma base na memória, que essa autoimagem, que é o ego, constrói o futuro e coloca você dentro dessa condição de apreensão, de dor psicológica, de dor emocional, de medo.
A Verdade sobre quem Você é, é o fim para o medo, para essa não abstração, que é o medo sendo sentido por esse corpo-mente, e para essa abstração desse medo ideológico, que é sustentado, simplesmente, por essa autoprojeção do pensamento.
Então, o pensamento te coloca nessa condição de tempo psicológico. É esse tempo psicológico que tem que ser rompido, tem que ser quebrado. Não existe tempo psicológico! Amanhã não é real… amanhã não é real! A Realidade está agora aqui, como Consciência. Só há Consciência! Qualquer outra coisa são construções idealizadas pelo pensamento.
Portanto, o pensamento sustenta o medo, o pensamento sustenta esse medo não abstrato que você sente no corpo e na mente; esse pensamento sustenta esse medo abstrato idealizado pelo pensamento. Então, o fator do tempo psicológico tem que ser compreendido, por nós. É necessário irmos além do tempo psicológico, nos posicionarmos fora dessa condição psicológica de identificação com o que o pensamento diz.
A palavra “identificação”, aqui, significa confundir-se com o que o pensamento fala, acreditar no que o pensamento fala, aceitar que o que o pensamento está dizendo é real. Pensamento é somente pensamento; pensamento é só ideia.
A palavra “copo” lhe traz uma forma, lhe traz uma imagem, lhe traz um objeto. Essa imagem, essa forma, esse objeto, é o copo? Mas basta uma palavra – “copo” – para surgir o copo! Certo? Se eu, por exemplo, disser para você assim: não pense em mesa! Não pense em mesa! Como é que funciona esse mecanismo do pensamento? O pensamento tem uma oferta, e ele oferta em razão da procura. Então, o pensamento “mesa” não é a mesa, mas a mesa já apareceu para todo mundo aqui! O pensamento “copo” não é o copo, mas o copo já apareceu para todo mundo aqui! Sabe o que aconteceu? O cérebro tem esse movimento mecânico, bioquímico, fisiológico, neurológico, de colocar o pensamento como sendo uma realidade. Então, há uma oferta porque há sempre uma procura.
Então, aqui, eu vou lhe dar a chave para ir além da mente egoica: observe o movimento da imagem, como ela surge… Da próxima vez que surgir um pensamento dentro de você – “estou sendo enganada”, “isso não vai dar certo”, “mas, se eu fizer e não acontecer?”, “e se, diante das pessoas para quem eu vou falar, der branco?”… Na próxima vez que o pensamento aparecer, fique com o pensamento, só! É só um pensamento, aquilo não é real. É como a presença do “copo”: não tem copo, é só uma imagem; é como a presença da “mesa”: é só uma imagem, uma oferta dada pelo pensamento. Isso se apresenta e você não coloca uma identidade nisso. Se você não coloca uma identidade nisso, como um pensamento, isso é inofensivo.
Isso requer Atenção Plena. Se você estiver nessa Atenção Plena ou se, junto com essa oferta, surgir essa Atenção Plena, haverá só oferta, mas não haverá procura. E, se não houver a procura, essa imagem não é valorizada. Vocês compreendem isso? Essa imagem não é alimentada, ela não é sustentada.
Portanto, a libertação do medo… E, aqui, quando eu me refiro a medo, eu me refiro a todas as formas de medo: há o medo da solidão, existe a preocupação – e isso é medo. Acabamos de colocar: a preocupação… A preocupação está sempre no futuro. Ela não está agora aqui. A solidão é uma esperança negativa, não está aqui. É o pensamento que constrói a solidão; é uma oferta. Todas as formas de ansiedade, com relação a qualquer aspecto da sua vida… a ansiedade é uma oferta, é um pensamento aparecendo. É como o pensamento “copo” ou “mesa”. Se você não dá importância ao pensamento “copo” ou “mesa”, como agora acabou de acontecer, quem continua com o copo e a mesa aí? Ele foi embora.
Você não faz isso com os pensamentos porque existe uma autovalorização dessa autoimagem no pensamento que aparece. Um detalhe importante: pensamentos aparecem em razão da procura. A procura fortalece novos pensamentos surgindo. Então, os pensamentos em vocês se processam assim. Em todos vocês! Oferta e procura.
Cada mecanismo, cada organismo, cada corpo-mente tem suas predileções, suas procuras e suas ofertas. Isso tem sido fortalecido, está sendo fortalecido, por essa desatenção. Você está desatento a esse modelo habitual de que, quando o pensamento surge, você de imediato o acolhe, o abraça, então você se identifica, você cria uma identidade. Os seus desejos são assim e seus medos também. E, para cada um aqui presente, é diferente o seu modelo de pensamento que surge, que é a oferta, e a sua busca, que é a sua procura.
Então, qual é o segredo para irmos além dessa egoidentidade, dessa autoimagem? Para irmos portanto, além da ansiedade, da depressão, da solidão, da preocupação, de toda forma de angústia interna, psicológica, como, por exemplo, a imaginação negativa, os pensamentos negativos, a baixa autoestima ou a ilusão da alta autoestima? Para irmos além da necessidade psicológica de sermos amados, de sermos aceitos?
Vocês não percebem que tudo isso são ofertas do pensamento para uma procura de uma ilusória identidade, que está sustentando o medo e, portanto, o sofrimento? O cuidado que se dá ao fim do ego é o cuidado que se dá ao fim do medo. É o fim do sofrimento em todas as suas representações. E como se faz isso? Olhando para o pensamento como uma oferta.
Nesse olhar, nessa Atenção Plena que se dá, não entra o movimento da procura. Essas imagens surgem agora aqui… não precisam ser alimentadas, sustentadas, elas precisam ser vistas. E elas são vistas quando há essa Atenção Plena sobre o movimento da mente. Isso eu tenho chamado de Meditação.
A Meditação é essa Atenção sobre o movimento da consciência. Tudo o que está dentro vai se revelando e vai sendo visto, mas deve ser visto dessa forma, como se olha para o copo, como se olha para a mesa. Você não se agarra à mesa, você também não rejeita a mesa. Você não briga com o pensamento de “mesa”. Porque você não briga, porque você não se agarra, porque você não se localiza como um experimentador da mesa ou do copo, ele desaparece. Por quê? Porque ele não encontra uma identidade nessa experiência. Esse é o ponto! Isso é Meditação.
Quando você aprende a olhar para o movimento do pensamento sem dar a identidade para ele, ele não se sustenta, não há uma identidade nessa aparição, então é só um fenômeno existencial, como a chuva. A chuva vem e vai! Pensamentos são assim! O que você tem feito, de uma forma inadvertida, por falta dessa ciência da arte daquilo que eu tenho chamado de Real Meditação, que é a direta observação do movimento da mente, que começa assim, dentro dessa Atenção Plena… Acontece um Espaço inteiramente novo e desconhecido, o seu cérebro abre um Espaço de Quietude e Silêncio, não forçado. A própria ausência do pensamento, porque ele não é sustentado, traz um Silêncio que transcende a ilusão do tempo, desse tempo psicológico. Isso é Meditação.
Então, o corpo fica presente, o pensamento está presente, você está inteiro, completo, agora aqui… Inteiro, por completo! Apenas assentado, ou caminhando, ou vendo TV, ou escrevendo, mas não há a ilusão dessa identidade presente, dessa autoimagem, sustentando esses quadros de antecipação negativa, sustentando o medo. Então, há uma Libertação completa desse corpo-mente.
Aqui, eu tenho dito que agora começa o Despertar desse Poder, vindo de dentro. Eu coloco assim, em sequência, mas não é assim, em sequência; isso acontece simultaneamente. Esse Poder já assume o corpo e a mente, quebrando esse padrão de identidade e de identificação com esse “eu”, com esse ego, com essa autoimagem. Isso é o fim do medo.