Como se desenrola o processo de criação do ego, desse falso centro, dessa identidade ilusória? Aquilo que é chamado de ego é uma imaginação, uma ficção, no entanto é uma ficção bastante real dentro dos próprios termos dela, para ela, nela própria. Aquilo que acontece na mente é muito verdadeiro para ela. A mente recebe um nome, um corpo, os quais ela diz serem dela. Chega até a dizer que tem uma alma! Ela se vê como um indivíduo, como uma entidade separada das demais entidades que ela também imagina existir.
Isso vai se confirmando nas decisões, nas escolhas, nas ações, nas consequências das ações, sendo algumas boas, dando frutos prazerosos, outras ruins, dando frutos amargos, dolorosos, e a mente vai chegando à conclusão de que, de fato, ela existe agindo, falando, pensando e por aí vai.
Aqui nós nos deparamos com uma dificuldade. Ela é imaginária, mas como acabei de colocar, é muito real em seus próprios termos. Esse falso ser, essa falsa entidade, se vê com inteligência para discernir entre o que é falso e o que é verdadeiro. Para ela, falso é aquilo que não condiz com seus gostos, e verdadeiro é aquilo que condiz com seus gostos, suas predileções, suas escolhas. Então, se algo condiz com o que essa “pessoa” aprecia, é verdadeiro; se não condiz, é falso. Se algo quebra, destrói ou empobrece a “pessoa”, então é falso, mas se enriquece, fortalece, estabelece ainda mais o que a “pessoa” acredita, é verdadeiro.
Essa é a barreira, porque isso falsifica qualquer coisa. Qualquer liberdade, paz, amor, tranquilidade ou felicidade é falsificado por isso. Então, a pessoa tem paz? Tem, falsa. Tem felicidade? Tem, falsa. Tem amor? Tem, falso. É inteligente? Sim, de forma falsa.
Aqui está a barreira, porque dá para se viver assim, todos vivem assim, alienados da Real Inteligência, da Real Felicidade, da Real Paz, do Real Deus, que é Aquilo que não pode ser falsificado. Não estou dizendo que a pessoa não tem Deus. Tem! Ela tem paz, por que ela não teria Deus? Mas, também, é o Deus que ela quer aceitar, é o Deus que ela gosta de apreciar, que está dentro do contexto, o Deus que concorda com ela.
Aí vem você e diz assim: “Como posso realizar realmente essa Paz Verdadeira, essa Felicidade Verdadeira, essa Liberdade Verdadeira se não há rendição?”.
Sim, você está certo! O ego não se rende! E por que ele não se rende? Porque ele não precisa, ele já tem tudo! Ele não precisa se render, ele já tem tudo o que precisa para ser “alguém”. É claro, alguém miserável, mas ele não se vê assim. Ele se vê inteligente, em paz e feliz, do modo dele.
E como ele se move? Basicamente, em conflito. Só que o conflito, para ele, já é o seu estado natural. Na verdade, é tão natural que ele se alimenta disso. Escute isso que eu estou dizendo para você. Você não pode pegar uma pessoa e levá-la para o paraíso, porque o paraíso será um inferno. Se você pegar o conflito (a pessoa) e colocar num espaço onde não há conflito, ele não vai ficar bem.
Então, a resistência é a base do ego, porque ele vive, basicamente, em conflito, algo que já se estabeleceu como o seu estado natural. Então, a maioria daqueles que vêm a Satsang não aprecia esse caminho, porque, nele, não tem como voltar para o seu antigo mundo. Esse é um caminho em que, a cada passo que você dá, o seu antigo mundo se dissolve e não se abre um novo.
Por isso que o Estado sem ego não é convidativo, porque Ele não lhe convida para alguma direção. É um convite ao caminho para o não caminho. Quanto mais você caminha, menos sente os pés e menor é o seu senso de direção, porque você não está indo a lugar algum.
O Estado sem ego não é um estado para se ver, se sentir, se realizar; é um não estado. Então, a maioria não pode apreciar Isso, precisa continuar no seu caminho, no caminho de ser “alguém”, porque aqui é o caminho do não ser, aqui é o caminho da não guerra, do não conflito, da não pessoa.
É claro que esse conflito, essa guerra, essa pessoa é o sonho e, aqui, é preciso soltar o sonho, parar com a imaginação.
Como “pessoa”, você não pode apreciar a Meditação, porque Ela é o fim da “pessoa”. A “pessoa” não vai apreciar a Meditação, porque, Nela, a “pessoa” não está, não há mais o que aprender, o que saber, o que discutir, do que discordar ou concordar, não há mais a noção de falso ou verdadeiro. Como não há mais defesa de “direitos adquiridos”, não existe mais medo do que é falso.
Você teme o que é falso quando tem “direitos adquiridos”. Se você teme perder seus “direitos adquiridos”, como, por exemplo, o “direito adquirido” de ser inteligente, isso lhe dá o medo de ser enganado, de poder ser enganado. Então, você tem algo a defender: a sua inteligência.
Esse “direito adquirido” de ser inteligente é só uma imagem que você tem de si mesmo. Quando há Real Inteligência, não há medo. Não existe nada falso para o Sábio. Para a Inteligência, não existe o que não seja Inteligência; para o que é Real, não existe algo que não seja Real.
Quando a Verdade clareia o que é chamado de falso, então não há mais nada falso. Ver o falso é a Verdade. Se você pode ver o falso, não há mais o falso, então não há medo, não há reatividade ao falso, e isso é Inteligência. Não há do que você se defender se você não tem inimigo, não há do que você se proteger se você não vê inimigo.
Não existe nada que seja falso se você está vendo a Verdade, então você não vai se proteger, nem sair correndo, nem se esconder. Isso é sinal de medo, de dúvida, o que é, basicamente, falta de Inteligência. Quando não há Inteligência, não se sabe o que é falso, porque não se vê, e, quando se vê, não há mais o falso.
Do que o ego tem medo? Dele próprio. Ele está assustado com ele mesmo, ele só é assustador para si próprio.