Participante: Mestre, quando o senhor diz que nunca nascemos, está se referindo à forma?
Marcos Gualberto: Para efeito de comunicação, nós falamos de nascimento e morte, de consciência e matéria, mas eu vou exemplificar aqui o que quero dizer com “você não nasceu”.
Você tem um sonho, certo? Nesse sonho, você vê o mundo. De onde veio esse mundo? Você entrou no mundo do seu sonho ou o seu mundo de sonho apareceu dentro de você? Você está dentro do sonho ou o sonho está dentro de você?
Vai ficar muito simples compreender isso. Vamos lá! Alguém pode responder isso? Quando acontece o sonho à noite, você entra naquele mundo ou aquele mundo surge dentro de você? Aquele mundo estava lá o esperando? Claro que não, não é isso? Não é o mundo que o espera, então, quando você sonha, aquele é o seu mundo, é o seu sonho. Você não está dentro dele, ele está dentro de você. Correto? Fácil de compreender isso, não é?
Agora, enquanto você sonha, você sabe disso? Não, também não! Você só sabe disso depois que acorda. Enquanto o sonho acontece, a crença ali não é de que aquele mundo é real e de que você está dentro dele? Você compreende o que eu quero dizer? Você jamais duvida, enquanto sonha, de que aquele mundo seja uma fantasia da sua cabeça, no entanto é. Você só sabe disso depois que acorda.
Então, você não nasceu, você está produzindo esse mundo. Você não está dentro dele, ele está dentro de você.
Deixe-me tentar colocar de uma forma bem simples para você. Quando as pessoas dizem que estão vivas, o que na verdade elas estão dizendo? Elas estão dizendo que estão em um sonho, mas que não sabem disso. E quando elas dizem “fulano morreu”, o que elas estão dizendo? Elas simplesmente estão dizendo “fulano desapareceu do meu sonho, mas o sonho continua sendo meu”. Então, aquele lá não nasceu e não morreu, só fazia parte do seu sonho.
Dessa forma, quando você lamenta e sofre por alguém ter morrido, você está no sonho lamentando a ausência de uma suposta entidade que você acredita que estava viva. Você está lamentando o desaparecimento de uma produção do seu sonho, e isso só é possível enquanto você está nesse sonho.
Então, os seus apegos todos estão dentro do seu mundo, algo que você está produzindo na ideia “eu sou alguém, eu estou vivo, eu posso morrer”. Nada disso é Real, nada disso é a Verdade. A única Realidade em tudo isso é Aquilo onde tudo isso aparece, Aquilo que eu tenho chamado de Deus, de Consciência, de Presença, Aquilo que passa a ser assumido quando você desperta desse sonho.
Em algumas partes do mundo, como na Índia, eles chamam isso de Iluminação, que é quando não existe mais o sonho de ter nascido, de ver pessoas morrendo e de, também, poder morrer.
Participante: Por isso que esse termo “Acordado” descreve tão bem, né?
Marcos Gualberto: Sim. A palavra Buda significa “acordado”. Quando existe o Acordar, tudo é só um show divino. Até agora eu estava dizendo que era você sonhando, mas agora eu vou melhorar isso, esclarecer melhor isso: não é você sonhando, esse sonho não é seu. Talvez seja um pouco diferente daquele sonho que você tem à noite, onde aparentemente você está produzindo aquilo tudo – eu disse “aparentemente”, porque nem aquele sonho é seu. Aqui, esse sonho é dessa “Coisa” misteriosa, é um sonho divino acontecendo, não tem você nisso. Então, mais uma vez: você não nasceu, porque você não existe!
A dificuldade é a perspectiva da mente egoica, porque, para ela, nesse show não podem acontecer coisas ruins. Mas eu não conheço nenhum show, que seja realmente um espetáculo, que não tenha drama, comédia, tragédia, prazer e dor. Se é um show, tem que ter tudo isso!
Mas o problema com o ego é particularizar a experiência, acreditar que a experiência precisa ser do jeito que ele deseja para que ele seja feliz. Aqui está a miséria humana, o sofrimento humano, a ignorância, a base da vida dualista, separatista, em conflito. Esse é o modo de pensar, sentir, agir, falar, se mover, com base na perspectiva de uma entidade separada, particular, vivendo sua vida particular, tendo sua experiência particular e querendo tudo do seu jeito particular. Como haverá fim para o sofrimento dessa forma? Como haverá fim para a ignorância dessa forma?
O que eu quero lhe dizer é que não há preço para estar aqui olhando para isso. Ninguém aí fora lhe diz essas coisas, porque todos estão na mesma condição, todos estão vivendo sua vida particular, conflituosa, aborrecida, com breves momentos de prazer, satisfação, que logo se transformam também em confusão.
Ninguém tem interesse real em investigar isso, a não ser aqueles que têm aspiração a uma vida divina, a uma vida em Deus. Apenas os santos têm essa inclinação e, em geral, você não vive cercado por santos, mas por perturbados, que não têm nenhuma inclinação para o Divino.
Aqueles que estão dispostos a investigar isso são aqueles que compreenderam que a única coisa a se compreender na vida é a Vida, é Deus, é a Verdade. A única coisa que importa é realmente a Felicidade, a Paz. Isso é para aqueles que já estão desconfiados de que tem algo fora do lugar, algo que não está do lado de fora. Se não está fora, tem que estar dentro; se não é o mundo que está errado, então eles estão.
Então, esses já desconfiaram que a única medida a tomar, a única coisa que importa, é descobrir onde está Deus, onde está a Verdade, e isso é para santos, para aqueles que estão querendo ir além desse mundo, desse sonho, em que todos sofrem, em que todos vivem uma vida estreita, limitada, medíocre, perturbada, apegada, nervosa, estressada, aborrecida e estúpida.