O palco de toda experiência

Participante: Como é viver em Deus? Como reconhecer o “fazedor” e não cair na ilusão do “eu”?

Mestre Gualberto: Todo acontecimento é uma experiência ocorrendo, da qual estamos sempre cientes. Por exemplo: um pensamento presente, como uma memória da infância, é um acontecimento, uma experiência da qual tomamos ciência. Assim também é com uma emoção, um sentimento, uma sensação de dor no corpo, de fome, de sede… tudo isso são experiências acontecendo, dentro das quais há algo que está sempre presente e ciente disso. Esse “algo” é Aquilo que está sempre atento, quer você se sinta bem ou mal, triste, solitário, alegre, em paz, feliz, infeliz, angustiado ou preocupado.

A sua pergunta é “como não cair na ilusão de um ‘eu’, de uma identidade separada?”. Não cair nisso significa se manter Naquilo que está consciente da experiência, sem colocar uma identidade nisso. Essa Realidade, que está sempre consciente do quer que esteja acontecendo, de qualquer experiência surgindo, aparecendo e também desaparecendo, é impessoal. Ela não está envolvida no processo e sempre se mantém livre, não se confunde com o que acontece.

Quando um pensamento aparece, é só um pensamento acontecendo. Essa Presença, essa Consciência, não está envolvida com esse pensamento. Quando a fome aparece no corpo, isso é um acontecimento no corpo e para o corpo. A Consciência não está envolvida nesse processo. Ela é a testemunha disso, é Aquela que está ciente do acontecimento ou da experiência. Ela está sempre ciente desse conteúdo, mas não é o conteúdo.

Então esse “Saber”, essa Ciência, essa Atenção, é sempre o elemento que se mantém inalterado, que não sofre mudança. Então, como viver em Deus? Viver em Deus representa não se confundir, não se embolar, com esse processo, com essa experiência, com esse acontecimento.

Existem acontecimentos referentes ao corpo, à mente e ao mundo. Agora temos a pandemia, as questões sociais, econômicas, políticas… O que é viver em Deus? É permanecer cônscio da experiência sem se embolar com isso.

A sua Natureza Essencial é Aquilo que está ciente dos acontecimentos e das experiências. A ilusão de uma identidade aí é essa parte que se confunde com isso. Essa suposta entidade particulariza o que quer que esteja acontecendo, como se aquilo estivesse acontecendo para ela ou atingindo-a; e de fato está, se ela se encontra presente.

Isso não lhe foi apresentado até agora, desde a infância. Não lhe foi apresentado que você é o Campo da experiência e não a figura da experiência. É como um palco onde tem atores se apresentando. A você foi apresentada a peça, não o palco.

Para o Despertar, o palco é importante. A peça pode sofrer mudanças, o diretor pode mudar a fala dos personagens, os personagens podem ter um final feliz ou triste, mas o palco não muda.

Neste trabalho aqui, eu lhe apresento o palco. Enquanto seus pais, professores, toda a cultura, toda a sociedade, todo o mundo à sua volta só fala da peça, eu só falo do palco.

O palco não sofre alteração, a peça sofre. Aliás, não é só uma peça, são várias peças acontecendo dentro desse mesmo teatro, nesse mesmo palco. A Consciência é esse palco. Isso é algo que permanece constante, presente.

Por exemplo, agora você está acordado, mas daqui a algumas horas você vai se deitar e dormir, então vai entrar num estado chamado sono, no qual acontece um estado chamado sonho. Tanto dentro do estado de vigília como desse estado de sonho e sono, tudo o que você tem é uma representação teatral, é só uma peça teatral.

Tanto a vigília, como o sonho e o sono profundo são parte do que acontece, estão dentro da experiência. O palco não muda. Então, a vigília vem, o sono vem, o sonho vem, as experiências surgem, e elas podem ser de alegria, de tristeza, de sentimento, de emoção, de pensamento… Na verdade, tudo isso são atos de uma peça teatral, atos de representação no tempo.

Esse palco é algo fora do tempo. A beleza da Meditação é estar assentado nessa dimensão fora do tempo. Todas essas experiências objetivas, como pensamentos, sentimentos, emoções, imagens, percepções, vigília, sonho, sono profundo, onde acontecem o nascer e o morrer, estão presentes no tempo.

O personagem, esse falso centro, esse falso “eu”, essa pessoa com suas particularidades, é o que acontece na peça, no teatro. O palco comporta o personagem e sua representação teatral, mas ele não é isso.

Essa Consciência é algo que permeia intimamente o que quer que esteja acontecendo, mas nunca se altera. Sua vida vem sofrendo mudanças desde a sua infância. Na realidade, desde antes de você nascer, esse mecanismo aí – esse corpo e essa mente – vem sofrendo mudanças, mas isso não tem absolutamente nada a ver com Aquilo em você que não nasce e não morre, que é a sua Realidade.

Então, todas essas mudanças na sua vida não têm realidade fora dessa Consciência. Essa “realidade” é um fenômeno dentro dessa Consciência. A “realidade” dessas mudanças tem como base Aquilo que não se altera, Aquilo que não muda. Nesse sentido, a única Realidade da sua vida é aquilo que não sofre mudanças.

A questão toda aqui é que quando o pensamento, uma emoção, um sentimento ou uma sensação surgem, você está tão viciado em se ver como alguém dentro do corpo, que tem essa experiência como uma peça da qual você é o ator principal. Você é a figura principal envolvida nisso, fazendo isso, realizando isso. Então, de uma forma ativa ou passiva, fazendo a ação ou sofrendo a ação, existe sempre a ilusão de que tem você nisso.

Eu sempre chamo a sua atenção para tomar ciência Daquilo que está fora do que está aparecendo. Então, você deve sempre se perguntar “para quem isso ocorre?”. Quando faz essa pergunta, você não encontra a resposta; aliás, se encontrar uma resposta, será falsa, pois será o pensamento produzindo-a. Quando a pergunta atinge um nível de Inteligência Real, ela fica sem resposta, fica só a pergunta: “para quem isso ocorre?” ou “quem está triste?”.

Sem nenhuma resposta de fundo de conhecimento, de memória, de lembrança, de explicação, fica só a pergunta. Essa pergunta sem resposta leva você a essa dimensão de ciência do palco.

O palco é essa Consciência, então a Meditação traz você de volta à Fonte. Não estou falando da meditação que você conhece por aí, mas Daquilo que eu coloco como Meditação. Você passa algum tempo nessa proximidade em Satsang e, então, descobre o que eu entendo por Meditação.

O que se ensina por aí como meditação não funciona, apenas acalma você, relaxa, mas… até uma crise bater! Não temos interesse nisso aqui. A proposta aqui é para que você descubra o que é, verdadeiramente, viver em seu Ser, fora da ilusão do tempo onde acontecem a vigília, o sono, o sonho profundo, a alegria e a tristeza, o prazer e a dor, onde os personagens estão vivendo os seus dramas.

Toda a sua dificuldade é porque você está ligado ao drama, à comédia, à tragédia, ao romance, à teatralidade, ao que está acontecendo, à experiência. Você está ligado ao que parece ser e não ao que é. O palco é o que é; o que parece ser é o acontecimento, a experiência, o drama, a tragédia, o romance, a história desse personagem, a vigília, o sonho e o sono profundo.

A única Realidade é a Consciência, então tudo é uma grande teatralidade, um grande show divino; só não é particular. Isso não é o seu show! É um show na Consciência, mas não é para o personagem. Para o personagem é o trágico, o cômico, o romance, a experiência, o acontecimento.

Esse “senso do eu”, que é o ego, a “pessoa”, está todo dentro do cenário, girando em torno dos seus assuntos particulares. Uma hora é comédia, outra hora é drama, tragédia, medo, raiva, ciúmes, inveja, preocupação, ansiedade… É assim que a pessoa vive! “Pessoa” não é nada além disso.

23 de junho de 2021
Encontro online