Participante: Mestre, às vezes não consigo distinguir claramente o “eu” de fora e o “eu” de dentro. Tem como clarear essa dúvida?
Mestre Gualberto: Pega o “eu” de fora e o “eu” de dentro e joga fora, aí clareia a dúvida. A sua dúvida está exatamente nessa tentativa de separar. Quem está nessa separação? Quem é esse que separa o “eu” de dentro e o “eu” de fora? Isso ainda é “você”, é a “pessoa”, é a mente. Você tem que jogar os dois “eus” fora, o de dentro e o de fora, e aí haverá Clareza. Haverá Clareza não porque um “eu” de dentro teve “clareza” e jogou o “eu” de fora para longe, mas porque não ficará nem o “eu” de dentro nem o “eu” de fora. Livre-se dos dois e, depois, se a pergunta ainda estiver presente, traga-a novamente.
Parece que se você se livra dos dois, fica só a Clareza. Só que não é a “clareza” de alguém, é só a Clareza. Clareza é o seu Estado Natural. Você é Clareza! Se existe essa dicotomia, se existe essa divisão, ela ainda é parte da dualidade.
Participante: Mestre, como saber que é Deus quem está realizando e não eu? Devemos estar em inércia?
Mestre Gualberto: É a mesma resposta. Quem é esse que fica sabendo quem está realizando, se é Deus ou não? Para quem é essa dúvida? Isso é como uma dúvida quanto à existência de um “eu” interno e um “eu” externo. Livre-se dessa ideia de um “eu” que possa saber e um “não eu” do qual você tem que se livrar. Livre-se dos dois.
Quanto à questão “devemos estar em inércia?”, eu lhe digo que a inércia é impossível, pois a natureza sempre vai colocar esse organismo aí para fazer algo. Experimente ficar em inércia. Diga assim “eu não vou fazer mais nada”, tome essa decisão e depois me diga quem tomou essa decisão e se ela foi cumprida. Inércia é impossível!
Aqui, a ênfase está em estar ciente do show, do que ocorre no palco, e não de parar o que está acontecendo nele. Isso é como estar ciente da tela onde o filme acontece, mas não parar o filme e deixar a tela em branco. A tela não vai ficar em branco, sempre haverá um filme passando nela. Tome ciência da tela e curta o show. O show não vai parar! Da mesma forma que não há como acontecer a inércia, não há como o espetáculo parar.
Esse show não está sendo produzido, dirigido ou colocado em cena por você. Há algo fazendo esse show acontecer. A sua liberdade está em tomar ciência dessa Consciência. A sua liberdade está em tomar ciência do palco e assistir ao show, inclusive interagindo sem nenhuma ideia como “estou fazendo, eu sou o fazedor, faço parte do show”. Não existe isso, existe só o show e ele acontece no palco.
A Liberdade da Felicidade de Ser reside em não se separar, em não ter a ilusão da separação entre o que acontece e onde tudo acontece. Não há separação! É porque, misteriosamente, tudo que acontece nesse palco ainda é parte dele. Não há nenhuma separação, está tudo no lugar, está tudo certo, e o show não vai parar.
É a mente egoica, separatista, conflituosa que quer se livrar das experiências para ter paz. Ela imagina uma paz fora das experiências e quer se livrar delas para ter essa paz – isso é parte da ilusão do conflito da mente.
O problema não está na experiência, não está no espetáculo, não está no que acontece, mas na inconsciência do palco, na resistência à presença do palco, à presença de tudo.
Então, o que é ver essa Consciência? É permanecer Naquilo que é, permanecer na Verdade. Essa é a Visão Divina, a Visão da Graça, a visão de Deus. Essa Graça, essa Presença, é algo que brilha claramente no que quer que esteja aparecendo. Ela é o fundo de toda experiência, de todo acontecimento. Ela é o palco, é a tela.
É que você esquece sempre o palco, a tela, e se envolve demais com o drama, com o romance, com a comédia, com a tragédia, com o que está acontecendo ou aparecendo. Aí você personifica, particulariza isso e, então, entra em conflito, entra em guerra e tem problemas – são problemas criados pela ilusão da separação. Assim, sua atenção está fora da Consciência, pois está presa ao objeto da experiência.
Você fica preso a um falso saber, a um falso entender, a um falso controlar, a um falso resolver, a um falso decidir, a um falso escolher… Ah, e isso é fator de estresse, claro! Então, você pensa muito, não come direito, não dorme direito, quer carregar o mundo nas costas, quer resolver todos os problemas de ordem particular. Você pensa em termos de uma entidade presente que tem que resolver as coisas, e isso é muito pesado.
Meu Guru sempre dizia: “Entregue para Bhagavan que Bhagavan cuida”. Parece que é uma lição difícil para alguns de vocês pegarem rapidamente e, então, deixarem Deus cuidar de tudo, ou seja, caírem fora dessa condição precipitada, arrogante, de controle, de poder de resolver, de mudar as coisas, de capacidade de salvar “A”, “B”, “C” ou “D” do destino de cada um, enfim, essas fantasias todas que o ego tem.
Esse senso de responsabilidade, de consciência social, política, espiritual, moral… É tanta “consciência” que a Consciência real – que é ausência de conflito, de peso, a Graça Divina – está ausente. Dessa Consciência, ninguém fala! Ninguém fala para você “olha, a única Consciência possível é a da Presença de Deus, e é Ele que faz tudo, o show é Dele! Renda-se!” Então, há muita resistência.