Você precisa apenas corrigir a perspectiva, corrigir a visão. Viver na mente é como andar com óculos de lentes vermelhas, que fazem você ver tudo vermelho. Tudo fica vermelho ou com uma certa gradação de vermelho. Se você colocar esses óculos e olhar para um objeto, vai vê-lo com uma gradação forte de cor vermelha, não vai vê-lo como ele é.
Da mesma forma, quando você diz “eu sou isso”, “eu sou aquilo”, “está me faltando amor”, “está me faltando liberdade”, “eu não tenho paz”, você está alterando a sua visão – você está “usando óculos”. É isso que a mente faz.
A mente é essa cobertura, essa sobreposição, essa lente colorida adulterando a visão. Simples isso, não é? Você olha para uma pessoa, mas não a vê. Tudo que você tem ali é uma sobreposição à Realidade. Não há pessoa ali, há só uma imagem dentro de você. Então, sua filha não é quem ela parece ser, seu genro não é quem ele parece ser, seu marido não é quem ele parece ser, o mundo não é como ele parece ser, você não é como você se vê.
A perspectiva está equivocada. “O mundo precisa de mim” – isso é um pensamento, um equívoco. O mundo não precisa de você, aliás o mundo nem sabe que você existe. Você é só um número nos documentos oficiais do governo. Tem um nome em um documento de algum cartório desse país ou de qualquer outro país no mundo, um documento que diz quem você é, mas é um documento totalmente mentiroso, que não fala nada de verdade sobre você. Diz que você nasceu – e aqui já aparece o primeiro equívoco – em certo país, lugar, cidade… E para todos que perguntam quem é você, você diz o nome que está naquele documento, que inventaram, tiraram de algum lugar da cabeça deles e deram a você. Assim como lhe deram roupas, lhe deram um nome, uma história.
Então, quando você diz “eu sou isso” ou “eu sou aquilo”, isso é um erro. Não somos isso ou aquilo. Nós não somos nada… Nós somos tudo! “Estou tão triste hoje” – isso é um pensamento. Em vez de dizer “estou triste”, o certo seria você dizer “há um sentimento de tristeza aqui”. Isso tudo bem, porque aí você estaria se referindo a um sentimento, você estaria objetivando um sentimento e não a si mesmo. Consegue compreender a diferença? Você está relativizando um sentimento e não a si mesmo. Por que não nos ensinam isso desde crianças?
Esses dias, alguém perguntou sobre como educar as crianças… Ensinando-as a ter uma perspectiva correta do que se passa com elas! Agora, temos que mudar toda a linguagem de nossa civilização. Está toda errada! Se uma criança dissesse “eu tenho um sentimento de alegria aqui”, “eu tenho um sentimento de tristeza aqui”, seria mais fácil chegar para ela e dizer “mas quem é você? Quem é você sem esse sentimento? Quem é você quando esse sentimento não está? Ele está aí agora, mas ele não está aí o tempo todo”.
Veja se foi assim que você aprendeu. Você tem o sentimento como se fosse algo eterno, mas, no fundo, sabe que não é eterno, que ele muda igual à direção do vento, o tempo todo, assim como o pensamento.
Seria mais correto você dizer “há um pensamento aqui agora”, e não dizer “estou pensando sobre isso”. A ideia aqui nessa segunda frase é “eu sou um pensador”, e na primeira é “o pensamento é algo que está acontecendo”, que seria uma linguagem mais apropriada, porque o pensamento é uma coisa que aparece agora e daqui a pouco não está mais.
Quando você diz “estou muito certo disso”, “eu tenho certeza que fulano é assim”, essa é a perspectiva do pensador. Totalmente equivocado! Seria mais correto dizer “olha, há um pensamento aqui sobre fulano”, “o pensamento aqui está dizendo que fulano fez isso”, porque é só um pensamento, é só uma experiência de pensamento.
Todas as vezes que você se sentir triste, sente-se num lugar e diga para si mesmo: “Há um sentimento de tristeza aqui”, e deixe isso se desdobrar, deixe isso se revelar, mas vá para esse segundo plano, apenas observe o sentimento de tristeza com os pensamentos respectivos. Quando faz isso, você dá um grande passo. Não é o último passo, mas é um passo muito importante para discriminar, para separar essa Consciência dessa objetivação.
O que você faz, em geral, é se objetivar: “Oh! eu estou triste!”, e desaba a chorar. Depois, acaba a força do choro, a energia do sentimento, o pensamento se dissipa e você volta a ficar bem, mas nada se resolveu, porque você não investigou a natureza da experiência.
As pessoas têm muito isso de objetivar a experiência, de tornar a experiência um objeto para uma entidade separada. Com isso, essa entidade fica tão embolada na experiência, nessa objetivação, que se torna o centro, e a Consciência real, a Verdade, fica sufocada. O senso de separação impera por completo, está em seu império, no domínio total, e não há autoinvestigação assim. Por isso que você sempre perpetua emoções, sentimentos e pensamentos, em especial os negativos.
Ah, como o ego ama pensamentos, sentimentos e emoções negativas! Isso é um prato delicioso para esse falso “eu”! Não existe nada que alimente mais o ego do que o sofrimento. Ego ama sofrimento, se lambuza. É como mel – o sofrimento para o ego é doce como mel na boca. Você não consegue ver isso, a não ser que trabalhe em si mesmo, Se fizer isso, perceberá como você ama o vitimismo, o negativismo, o pessimismo, o derrotismo, o senso de fracasso, de incompetência, de invalidez, o sentimento de ser estúpido, de ser burro, de ser incapaz… Ego ama isso!
Sabe por que o ego ama isso? Porque ele chama muita atenção para si quando ele é infeliz. Todo mundo aprecia gente infeliz, gente triste, gente sofrida. Tem sempre gente para ajudar pessoas assim. Elas se tornam o centro das atenções, ficam importantes quando chamam atenção de outros para seu sofrimento, principalmente dos mais próximos. Elas desejam chamar a atenção deles para se sentirem amadas. Ego ama se sentir amado, apreciado, e nada como o sofrimento para ele se tornar uma joia rara e preciosa para os miseráveis à sua volta – porque só aprecia a miséria do outro quem é miserável também; é uma forma de reciprocidade.
Ego em sofrimento aprecia ego sofrendo. Por que o ego ama notícias ruins? Porque ele sempre se compara. Ele tem como se avaliar para mais vendo que alguém sofre mais do que ele. Ele se sente mais importante, mais valorizado, mais apreciado e, além disso, ele ainda pode ajudar o mais miserável, não é? Ele não deixa de estar na miséria, mas pode ajudar. São aspectos da psicologia egoica, assunto para quem gosta de estudar Psicologia, a ciência da mente, a ciência da maluquice.
Então, voltando: se a tristeza está acontecendo, ela está apenas aparecendo neste momento. Se você deixar esse sentimento de tristeza fluir sem colocar uma identidade nessa experiência, sem objetivar isso, sem se embolar com isso, você perceberá que é só uma experiência.
Nesse momento, você tira os óculos para não dar continuidade a essa figurinha importante na tristeza. Você faz uso da chave que tem nas mãos e não se identifica com isso, não se embola com isso, não dá nome a isso. Objetivar é isso, é dar um nome, é dar uma importância.
Então, você não precisa se movimentar para se livrar disso. Você se senta e se torna cônscio dessa experiência, desse sentimento, e vê a história que o pensamento está construindo sobre isso, mas não objetiva isso, não olha isso através de óculos coloridos.
Quando você tira esses óculos, que é quando você se torna cônscio do que surge aqui e agora, como a tristeza se desdobrando com pensamentos sobre ela, isso explode: tum! Porque isso não tem energia para continuar sem uma identidade presente falsificando a experiência, alimentando isso, cultivando isso. Não importa o que essa experiência agora esteja apresentando, você permanece como Consciência, porque isso não é você, é só um sentimento, um pensamento. Você não se embola com isso, não falsifica isso, não nomeia isso, dizendo “estou triste”, “sou uma pessoa triste”, não!
Surgiu o pensamento, você o deixa presente; surgiu o sentimento, você o deixa presente, não escape dele, não fuja dele, mas lembre-se: deixá-lo presente significa se tornar ciente do que ele tem para dizer. Você deve apenas “ouvi-lo”, e não acreditar no que ele está dizendo. Não é confiar no que a dor está trazendo, é observar o que essa dor tem para contar, aí você logo vai se ver livre dessa imaginária dor, desse imaginário medo.
É o pensamento que está criando um falso “eu” para viver, separadamente, um falso momento de existência. O pensamento está alimentando a experiência de um pensamento, de um sentimento, de uma emoção, para viver um falso momento, um momento de uma existência separada.
Tudo o que nós podemos dizer de verdade, é que a Felicidade, como sua Natureza, não tem nada a ver com esse espetáculo, com esse showzinho que a mente egoica está produzindo. A Consciência não tem nada a ver com isso.
Então, pare de pensar e sentir como uma pessoa. A pessoa sente, pensa, se confunde, sofre, se equivoca e vive de uma forma estúpida, tentando fugir do Mistério da Vida para um cantinho especial que o próprio sentido ilusório de separação criou, para viver o seu momento de experiência como uma entidade separada.