Participante: Como se faz a autoinvestigação?
Mestre: Como é que fazem aqueles que investigam crimes? Quando eles chegam na área onde aconteceu o crime, o que eles fazem? Eles observam o que tem ali e procuram evidências do autor do crime.
Aqui, sua vida está confusa, desorientada, infeliz, com alguns poucos momentos de paz, alegria, satisfação e realização, mas muitos outros momentos de desordem interna. Então, agora você é o investigador. Você não vai alterar essa “zona do crime”, mas observar o que pode encontrar ali para obter evidências de quem é o autor de toda essa confusão. Você vai buscar as evidências do autor de todo esse conflito, desordem e sofrimento.
Assim, autoinvestigação é, basicamente, auto-observação. Você não vai acrescentar evidências ou criar novas situações ali, mas observar aquilo que ali está. Você vai procurar quem está criando essa confusão, quem é que está cometendo esses disparates todos.
Em geral, você olha para o mundo e quer consertá-lo, porque a mente lhe diz que é o mundo que o faz sofrer, que são as pessoas que estão criando sofrimento para você. Essa é uma visão equivocada. É como dizer que o crime não aconteceu ali, mas em outro lugar. Ali é a zona do crime, é a zona da confusão, é o lugar onde a investigação deve acontecer, mas você está procurando algo do lado de fora. Em vez de procurar dentro de casa, você está procurando na rua. A confusão está dentro de casa, mas você está procurando a causa da confusão na rua, ou seja, está procurando o que é que está produzindo problemas para você no mundo.
Em geral, as pessoas se comportam dessa forma: o problema é o namorado, o marido, os filhos, o patrão… É sempre alguém ou alguma coisa que as faz confusas, perturbadas e sofredoras. Então, todos estão sempre procurando a confusão no meio da rua, mas ela está acontecendo dentro de casa.
Você quer compreender o que acontece no mundo para se livrar do sofrimento que o mundo lhe causa. Mas, se você olhar de perto, vai ver que você e o mundo são uma coisa só. Não tem nada que esteja acontecendo no mundo que, de fato, não esteja acontecendo em você. A arrogância do outro é a sua arrogância, o medo do outro é o seu medo, a possessividade do outro é a sua possessividade, a violência presente no outro é a violência presente em você.
Então, o que é a autoinvestigação? Não é investigar a vida alheia, é investigar a si mesmo, a sua própria vida! Portanto, aqui a pergunta é “quem sou eu?” e não “quem é o outro?” ou “o que é o mundo?” ou “quem é Deus?”, nem mesmo “o que é a Verdade?”. Você não pode se aproximar Disso dessa forma, a partir de uma ideia, de uma crença. Você não pode transformar alguém em suspeito se você não tem provas, não pode acusar alguém ou o mundo de fazê-lo sofrer sem ter provas, e você encontra as provas, as evidências, olhando para dentro de si mesmo, vendo se suas crenças, opiniões, conclusões e deduções são verdadeiras.
Se descobrir como você funciona, você saberá como o mundo funciona, como o outro funciona. Mas o seu problema não é o outro, não é o mundo; o seu problema é a ilusão acerca de quem você é. Aquele que permanece ignorante acerca de si mesmo e está disposto a continuar vivendo dessa mesma maneira jamais conhecerá a Liberdade. A Real Liberdade é possível quando há Compreensão, e a Compreensão está presente quando a ignorância se vai, e isso é resultado da autoinvestigação. Sem autoinvestigação, sem essa auto-observação, você permanece na ilusão sobre si mesmo, e isso representa não Liberdade.
Não é possível Felicidade sem Liberdade, não é possível Paz sem Liberdade. Eu falo da Liberdade acerca de quem Você é, não uso essa palavra no sentido de uma ação, de um resultado, de uma escolha, de um desejo, de uma vontade. Eu não coloco essa palavra no sentido de liberdade econômica, política ou religiosa, mas apenas Liberdade, no sentido de verdadeiramente ser O que você nasceu para ser, ser Aquilo que você verdadeiramente é.
Então, essa auto-observação do que anda acontecendo aí, sempre através dessa pergunta “quem sou eu?”, pode soar estranho, porque, a princípio, você faria uma pergunta dessa na intenção de mudar o mundo – “Eu quero descobrir quem eu sou porque, assim, eu posso mudar o mundo”, e uma vez que você tenha ciência da Verdade sobre Si mesmo, você descobre que não tem nenhum mundo lá fora para ser mudado ou transformado para que essa Paz e essa Liberdade se estabeleçam.
Assim, aquele que permanece na ignorância e se mantém disposto a continuar assim jamais saberá o que é Liberdade, e pior: ele não se sentirá ignorante, mas livre para fazer as suas escolhas, e ainda vai chamar isso de liberdade.
Existem pensamentos dentro da sua cabeça que acreditam no que querem acreditar, e você acredita que esses pensamentos são seus. Então, no fundo você pensa que pensa e que essas crenças são suas escolhas – é isso que eu tenho chamado de ignorância. As pessoas se veem fazendo escolhas, todas elas baseadas em pensamentos, os quais elas, no fundo, acreditam ser delas e que estão acontecendo na liberdade que elas acreditam ter: aí está a zona do crime, o lugar da confusão. Você não vê isso porque não observa, não investiga.
Nosso trabalho, aqui, é investigarmos isso juntos. Na verdade, aqui eu faço uma abordagem geral sobre isso, mas você precisa começar a trabalhar em si mesmo. Ninguém fará isso em seu lugar, ninguém será o investigador, ninguém tem acesso à sua casa, à zona do crime, ao espaço onde toda a confusão acontece, só você.
Isso é bem interessante, porque nada nem ninguém, coisa alguma, pode ser a real causa da confusão dentro da sua casa. Então aquele que está interessado em viver em paz, sem confusão, com uma “casa em ordem”, precisa ir além da ignorância sobre si mesmo, precisa saber o que se passa dentro, observar isso de perto.
Olhe para as pessoas à sua volta: elas não são diferentes de você! Veja o apego delas às suas crenças. Aquilo que elas chamam de amor são fixações a antigos modelos de crenças. Elas estão apegadas, desejosas, ansiosas, segurando isso. Elas chamam isso de amor e não tentam fazer nada a respeito disso, porque não percebem a confusão em que se encontram. Elas não têm a mínima ideia de quem é o autor de toda essa confusão. Elas estão olhando, como eu disse agora há pouco, para a rua e a confusão está dentro de casa. Elas nunca perguntam “quem sou eu?”.