Participante: A Liberdade é um estado sem pensamento ou sem o pensador?
Marcos Gualberto: A Liberdade não é um estado. A Liberdade é a ausência de todo e qualquer estado. Estado é algo que aparece e desaparece, que vem e vai. Pensamentos aparecem, são fenômenos que surgem, assim como as emoções e os sentimentos – esses são os estados.
Quando você olha para uma sala, você não vê a sala, você vê os móveis. Você estaria vendo a sala se pudesse enxergar o espaço ali presente, mas seus olhos estão nos móveis. Não que a sala esteja oculta, mas ela, mesmo sendo vista, não está sendo olhada, porque seus olhos estão nos móveis. Você não está deixando de ver a sala, mas você não está enxergando-a.
Repare como a mente prega uma peça em você: ela o deixa ver somente o que ela tem interesse em ver, e não o que você precisa ver, diferentemente do Sábio, daquele que está Acordado.
O Acordado não tem interesse nos móveis, seus olhos estão na sala. Ele pode tomar ciência da presença dos móveis, mas o foco dele, o olhar, está na sala, enquanto, na mente egoica, seu olhar está nos móveis. A Consciência está apenas em Si própria e esse é o único interesse real Dela. Essa Consciência é a base que sustenta tudo e é Nela que tudo se desdobra, então Ela é a única coisa que é interessante.
O seu condicionamento egoico, dualista, parte do pressuposto falso de que tem você e os objetos. Na verdade, o seu corpo também é só um objeto, mas você não o vê assim. Você o vê como o sujeito e os objetos estão do lado de fora. Isso é completamente falso!
Até dentro de uma aproximação bastante racional, bastante lógica, você constata que só pode estar consciente em razão da Consciência que Você é, e tudo aquilo do qual você está consciente são objetos. Você, como Consciência, só está consciente de objetos, então o corpo também é um objeto.
O corpo é parte da sala, assim como os pensamentos, as emoções, os sentimentos e as sensações ligadas ao corpo. Tudo isso faz parte da sala, como objetos. Apenas a sala, como um espaço, não é um objeto.
Você não tem olhos treinados, pelo menos ainda, para olhar a sala. Você está olhando para os objetos e, pior ainda, está vendo esses objetos separados de si mesmo – aí está o sentido de separação.
Então o que é a Liberdade? A Liberdade é a sala, o espaço. Você pode continuar colocando coisas dentro dessa sala, pode trocar os objetos, pode acrescentar e diminuir coisas, mas o espaço não muda.
Agora, visualize as paredes dessa sala sendo empurradas em direção ao infinito. Vamos pegar as paredes dessa sala e empurrá-las para o infinito, até que desapareçam no Desconhecido. Essa sala é só espaço, sem paredes. Então, se não tem paredes, repare: não tem sala! A sala também é só um conceito, e o que dizer, então, dos objetos presentes nesse espaço? Pensamentos, sentimentos, sensações, o pensador, o que dizer de tudo isso? Em que categoria tudo isso se encontra agora, quando não há estado, quando há só espaço e tudo mais são aparições que se desdobram como um fenômeno da própria Consciência?
As pessoas só temem a morte porque estão se vendo dentro do corpo. É curioso dizer isso, porque elas só conseguem se ver dentro do corpo quando estão acordadas. Em sono profundo, elas não conseguem se ver dentro do corpo. Ninguém, absolutamente ninguém, em sono profundo ou em estado de coma, tem medo de morrer. Por quê? Porque a ideia “eu sou o corpo, eu estou no mundo, eu posso perder tudo isso” ou “o que será de mim?” não pode surgir em sono profundo nem em estado de coma. Mas, como ainda é um estado, você pode sair dele. Se a mente ainda pode entrar e sair do estado, então ele não é real, ainda representa móveis entrando e saindo da sala, mas a sala continua intacta.
Quando falamos de sono profundo e coma estamos falando de estados; quando falamos de pensamentos acontecendo, estamos falando da ideia de um estado, da crença de um estado.