Quando você tem raiva de alguém, isso não tem nada a ver com o outro; o outro não será atingido por suas flechas de raiva. Aqui, a ênfase sempre é essa falsa identidade, que cria um mundo e o faz girar em torno dela. Nada é como parece ser. Só parece que o outro está sendo atingido pelo seu julgamento, que você está sendo mau com ele, e isso, na verdade, só reafirma essa sua autoimagem, a imagem de alguém que não deveria fazer assim ou assado.
No fundo, quem está se autoafirmando, o tempo todo, de forma negativa ou positiva, tentando reverter o que fez, de acordo com sua própria vontade, a qual é puramente egocêntrica, é esse “senso de um eu”. É ele que carrega essa ideia de poder julgar, ferir, fazer mal ao outro ou sofrer por causa do outro, “porque ele está me fazendo mal”, o que dá no mesmo, porque ninguém o faz sofrer, assim como você não faz ninguém sofrer.
É muito interessante o que eu estou dizendo para você, porque uma hora você acha que pode fazer o outro sofrer e, no momento seguinte, você acha que o outro está o prejudicando de alguma forma, falando mal de você, fazendo isso ou aquilo, mas, se você está sofrendo, o caso é seu! Se é você quem está fazendo essa consideração interna, o problema é seu, nunca é do outro, em momento nenhum!
Como se livrar disso? Não se trata de se livrar disso, não se trata do desejo de se livrar, de querer se livrar. A dor está aí? Não tem problema. Tome ciência dessa dor e observe as imagens que giram em torno dela. Não faça nada, nem com essas imagens, nem com essa dor, e repentinamente você vai perceber que deu um salto para fora. Você diz “uau! Foi!”. É claro, a mente vai voltar, vai trazer de novo esse processo e vai se retroalimentar. Ela vai tentar fazer isso muitas vezes, porque esse é o vício, foi isso que você aprendeu desde criança – “eu tenho que me defender”, “eu tenho que me salvar”, “eu tenho que me livrar”, “eu não posso sofrer”, etc.
Todas as vezes em que a mente fizer isso, volte-se de novo para esse “Lugar”, onde não tem “alguém” – “alguém” para defender algo, para defender uma imagem, para evitar um prejuízo… Então, não se trata de fazer alguma coisa ou de se livrar de alguma coisa, mas de tomar ciência de que isso é apenas uma aparição que, se não for fortalecida, cai.
Mas como por detrás disso tem sempre um movimento idealista, filosófico ou espiritualista, um ideal de como você deveria ser – o que é outra imagem –, você fica tentando defender isso. Como? Reafirmando-se vez após vez, dizendo “eu quero me livrar”, “eu não posso sentir isso”, “eu não posso sentir aquilo”, “eu não devo agir assim”, “eu não devo agir assado”.
O que estamos fazendo sempre, com essa atitude, é preservando esse “eu”. Por isso que a gente muda do vício para a virtude, mas continua vivendo no ego. O benfeitor é um malfeitor travestido, não saiu do ego. É como se fizéssemos uma soma de nulidades. Somamos zero mais zero, aí encontramos dois, certo? Não, encontramos zero. Deixamos de ser viciados para sermos virtuosos: zero mais zero. Deixamos de ser malfeitores para sermos benfeitores: zero mais zero. Podemos também multiplicar, dividir ou subtrair: o resultado será sempre zero.
Então, qual é a Arte de ser Feliz? É deixar tudo no lugar, não se meter com nada, com ninguém, com coisa alguma. Fique com o que a Vida está lhe mostrando, porque é o que Deus está lhe mostrando, lhe dando, e pare de criar outra ideia sobre esse fato. O fato é esse, não crie outra ideia sobre isso, porque, quando você faz isso, fortalece o sentido de separação, de resistência, e não há Verdade aí.
O ego é tão safado que ele diz assim: “Eu não queria ver fulano sofrendo”. Ele atribui a si próprio a imagem de bonzinho, que não gostaria de ver o outro sofrendo, mas, na verdade, ele já está sofrendo, por inveja, por despeito, por qualquer coisa, porque o outro está fazendo algo que o contraria. Só que ele diz que está querendo o bem do outro. Está nada! Ele está internamente em conflito, em sofrimento, por várias razões, que ele nem sabe quais são, nem sabe o que está o fazendo sentir aquilo. No entanto, o ego vai justificar, para ele mesmo, que o que ele quer é o bem do outro; e não é. Isso é dependência.
Assim, você cria esse sofrimento todo nesse mundo de relações que você tem porque ele é baseado no ego, não é no Amor, não é na Verdade. O que existe é o desejo de ferir, de magoar, de ofender, de maltratar, de gerar culpa também, “já que eu estou sentindo, que o outro sinta também!” Vingança!
Mas, antes de ser uma vingança para o outro, isso é uma autovingança. Não é o outro que é atingido, não tem o outro lá sendo atingido, o outro está sendo atingido com a própria maluquice dele. Ele só pode ser atingido na proporção em que ele também vive isso. Em outras palavras, ninguém o fere e você a ninguém fere – é só você se ferindo.