Adotar a atitude de olhar o que se passa dentro de você significa viver com o interesse de investigar a questão: “Quem sou eu?”.
Quando você se depara com alguma forma de conflito interno (como o medo, por exemplo) e reconhece isso sem negar, sem fugir, sem reprimir, então, você tem aqui algo muito valioso, que é a aproximação desse olhar, viver nessa proximidade, acolher, adotar, aceitar essa atitude compassiva, benevolente e paciente de permitir que isso seja visto.
Não existe nada que funcione como isso, não existe nenhuma outra coisa que possa ser feita. Qualquer movimento que você faça será com base no conflito, para produzir mais conflito; com base na confusão, para produzir mais confusão. Esse movimento é de fuga, o qual pode trazer um alívio momentâneo, mas o conflito permanece. A repressão pela fuga é uma das armadilhas da mente egoica.
É importante que você veja o que tem diante de você. Isso é como uma cobra que entrou no seu quarto. Se você sabe que ela entrou, seu dever é encontrá-la e não ir para debaixo do cobertor, pois isso não vai resolver. Mesmo que não queira olhar, você já sabe que ela está no quarto. O medo está presente e você sabe que o cobertor não vai salvá-lo. Mas, se você está em cima da cama e consegue vê-la completamente, você já está a um passo da libertação do medo. O mesmo ocorre com o movimento da mente egoica: se você não negá-lo, se você não se esconder, você poderá vê-lo. Mas, se sua atitude é de negação, de se esconder, de tentar fugir disso, isso continuará assombrando-o, assustando-o.
Estou lhe mostrando como lidar com essa entidade ilusória, esse falso “eu”, esse ego – que, aqui, é essa “cobra no quarto”. A questão é perguntar para si mesmo: “O que é isso? Quem é esse com medo?”. Se você faz isso, pode ver esse movimento, esse conjunto de pensamentos, sentimentos e sensações no corpo bastante desagradáveis. Quando pode ver isso, você consegue ver a “cobra”. Você ainda não está livre, mas deu o passo mais importante para ir além do medo, para ir além do ego. Na verdade, isso tudo é um espetáculo criado pela mente.
Se você faz isso, consegue ver O que É, e, então, você percebe a “cobra” partir. Você não vai tentar matar a “cobra”, não vai tentar fazer nada com ela. Essa “cobra”, dentro dessa figura de linguagem, é o movimento imaginário do ego, com suas reações bastante assustadoras. Aqui, não importa o quanto essa sensação seja assustadora ou desagradável… Olhe essas reações.
Tudo é um grande espetáculo para você, para que você seja um espectador, uma testemunha, um observador. Contemple suas reações, contemple sua negação, seu desejo de fugir, seu medo. Quando você começa a perceber, a reconhecer sua negação, é o começo da aceitação. É necessário você se tornar um expert, um verdadeiro mestre em lidar com o que se passa aí dentro, e ninguém pode fazer isso no seu lugar. Enquanto você não assumir essa total responsabilidade (eu tenho chamado isso de “honestidade”), nada de muito profundo acontecerá.
O que estou dizendo é que o medo, o conflito e o sofrimento são seu ego, a “cobra no quarto”, o “monstro”. Um “monstro” que, na verdade, você acompanha. Não é ele que o acompanha, não é ele que está com você, é você que o está acompanhando, é você que está dando realidade ao seu ego.
A princípio, você acha que o ego é o seu inimigo, e eu estou dizendo que o ego é a sua criação, uma ilusão criada pela força do hábito de viver nesse modelo há muito tempo. É necessário desconstruir isso!
Assim, não é o ego que o acompanha, é você que o constrói, que o sustenta. Você vê a “cobra” entrar no “quarto”, e, em vez de acompanhar o seu movimento, você se esconde debaixo das “cobertas”, porque não está disposto a olhá-la.
Você tem sustentado esse ego, esse medo, esse sofrimento, esse falso “eu”. Quando você para de fugir, de negar, que é quando começa a aceitação, você passa a ter a postura da contemplação, que é a sua posição natural de desidentificação, de não confusão com o que os sentimentos, sensações e pensamentos “dizem”. Assim, esse “monstro”, esse “usurpador” criado por você mesmo, por seus pensamentos e sensações corporais, o qual o mantém separado do Reino do Silêncio, da Paz, da Liberdade, da Alegria, desaparece. Isso acontece porque, na realidade, ele nunca foi real.
Então, comece a acolher esse “monstro” e diga: “Ok! Fique à vontade. Deixe-me olhar para você”. Não importa o tamanho dessa “cobra”, nem quão assustadora ela pareça ser; não importa quantas garras tenha esse “monstro”, nem qual seja a sua aparência… Quando nenhuma parte dessa “cobra” ou desse “monstro” fica oculta, não há nenhuma parte em você que possa se prender ou se identificar de novo com isso.
A ilusão é a cegueira que o mantém ligado ao “monstro”. Por inconsciência, falta de atenção, de Meditação, você está sustentando-o. Na Índia, chamam esse “monstro”, essa “cobra”, de “ilusão da ignorância”.
Então, você precisa sair debaixo da “coberta”, sair da sua tentativa de fuga imaginária e olhar para isso. Esse é o segredo! Isso só é possível nessa aproximação de acolhimento, de contemplação. Dessa forma, você estará voltando à sua posição natural, ao Coração, e saindo da mente. Mesmo que o corpo ainda sinta alguma coisa, já não haverá mais valorização de história, de pensamentos. Aquilo que o corpo estiver sentindo, logo vai desaparecer também, porque não estará sendo alimentado, não haverá mais essa ligação com o “monstro” – o pensamento, a emoção, a percepção ou o sentimento terá sido quebrado.
Conseguem ver isso? Exercício de casa para vocês! Dá para praticar isso momento a momento, e vocês terão muita oportunidade de praticar essa desidentificação, de olhar pacientemente para si mesmos, para suas reações, sentimentos, sensações, percepções, para toda história criada por essa entidade imaginária, ilusória, que parece estar acompanhando você, que parece estar no seu “quarto”, enquanto que, na realidade, é você que a acompanha, que a sustenta, que a faz tão assustadora, tão perigosa.
Por que é muito eficaz o que eu estou lhe dizendo? Pelo fato de que aquilo que pode ser visto não é você. Se você pode ver algo, dele você pode se desidentificar, e esse é o seu trabalho. Se você pode ver, pode deixar ir embora.
Vou repetir: você não vai matar o “monstro”, não vai matar a “cobra”, não vai matar o ego, porque não tem nenhum ego, nenhuma “cobra”, nenhum “monstro” para morrer. Quando não há mais partes ocultas, escondidas, aí – nem pensamento, nem emoção, nem sensação, percepção, medo, ansiedade e tudo mais –, então nada disso pode mais tocá-lo. Você é essa Presença, essa Consciência, essa Realidade Absoluta, vivendo no Reino da Felicidade, da Liberdade, da Paz, da Alegria, da Inteligência.