As falas desses encontros não têm o propósito de comunicar algum conhecimento. Apesar de estarmos fazendo, aqui, pronunciamentos, colocações, o propósito não é lhe dar mais informações. Uma das coisas bem comuns, quando as pessoas chegam dentro desses encontros, é a preocupação de se tornarem diferentes. Elas querem viver uma mudança.
Você sempre quer ser alguém “mais”, e é isso que tem levado as pessoas a esse processo de busca. Elas querem ter uma vida diferente, querem imitar a vida de alguém “mais”. Então, elas querem se parecer com Buda, com Jesus, com Ramana, ou com alguém de quem tem alguma informação. A criança gostaria de ser parecida com o Homem-Aranha, com o Homem de Ferro ou com o Capitão América, e você gostaria de ser iluminado como Jesus, Buda, Ramana, Marcos Gualberto, Osho, ou qualquer outro. É sempre o desejo de ser alguém “mais”, alguém diferente. “Vamos descobrir o que eles fizeram para fazer igual”. Isso é mera imitação. Então, as pessoas começam a aplicar a si mesmas disciplinas nessa direção.
A pergunta é: que significado isso tem? O que há por detrás disso? Você muda sua alimentação, muda sua roupa, sua forma de vestir e, agora, tem horas reservadas para a prática da meditação. A mente imagina alguma coisa diferente e vai em busca disso. Você acha que está num estado diferente do estado de Buda, de Cristo, de Ramana, então, quer alcançar o estado de um Sábio, de um Ser Realizado. Mas, a pergunta é: em que estado você está? Você acredita que tem de alcançar outro estado e eu tenho questionado isso.
Realização não é alcançar outro estado e ser alguém diferente de quem você é; é exatamente, completamente, diametralmente, oposto a isso. Você não se torna alguém diferente de quem você é; você apenas reconhece quem Você É, naturalmente. Isso é Realização: Você em seu Estado Natural. Não é você sendo “alguém” como Jesus, Buda ou Ramana.
Não está simples isso? A espiritualidade tem complicado essa coisa toda na cabeça de vocês. Você não quer estar em seu Estado Natural, você quer adquirir um estado extraordinário, algo que lhe dê poder, o poder de ser alguém especial, como o Homem-Aranha, o Batman, o Superman, mas do ponto de vista da espiritualidade.
O que eu estou dizendo é que toda a sua busca pela Verdade, por Deus, pela Realidade, é uma mera “viagem” acrescentada à sua egoidentidade. É uma coisa falsa, então, você usa frases, carrega crenças e pratica coisas que só lhe dão mais vaidade, a vaidade de ser “alguém” ou a falsa sensação de estar indo para algum lugar. Você se sente especial, porque agora é um ser “espiritual” e tem um senso de direção. Mas, o fato é que esse movimento está lhe afastando, ainda mais, da constatação, do descobrimento do seu Estado Natural de simplesmente ser o que Você é.
Não existe nada para se atingir! Quando as pessoas chegam a estes encontros, percebo como estão carregadas, com um peso enorme sobre si mesmas, com um conjunto enorme de crenças sobre o que pode e o que não pode, o que é certo e o que é errado, o que é espiritual e o que não é. Essa é a primeira confusão da qual tenho que tratar com vocês logo que chegam.
Então, eu quero voltar à pergunta: em que estado você está? De que estado estamos falando? Na verdade, isso é algo muito simples, mas você não quer compreender, porque isso vai despi-lo do sentido de autoria, de poder, de realização e de conquista. Esse “seu” ego já vem investindo nisso há muitos anos. Compreendem a dificuldade?
A mente não carrega nenhuma dificuldade em aprender. A sua dificuldade real é desistir dela própria, desaprendendo tudo. Acumular, para a mente, é uma coisa fácil. Difícil, para ela, é abandonar esse acúmulo, é abrir mão disso. Então, eu quero que você esqueça as frases bonitas de Jesus, de Buda, de Ramana, de Rumi, esqueça o seu rosário, sua japamala, suas rezas, sua tradição, seu conhecimento da Vedanta, da Advaita… esse grande conhecimento que você tem adquirido dos livros. Permita que isso tudo seja “queimado”, toda essa imaginação sobre esse Estado, sobre ser alguém iluminado. Esqueça isso!
É por isso que fica complicado quando você escuta uma fala como essa. Eu venho e digo que a coisa mais fácil é ser Natural, mas isso soa, para você, como a coisa mais difícil, porque você está abarrotado de coisas, externamente e internamente. Ser o que Você é, é a coisa mais fácil, porque é o seu Estado Natural. Mas, você quer ser “outro alguém” e, para isso, tem que ter, imaginar, fazer, praticar muita coisa. Esse é o seu problema!
É curioso você ouvir isso tudo, porque, na verdade, você não está em condições de aceitar nem rejeitar o que eu estou dizendo. Você só pode fazer isso com base em crenças, conceitos, ideias. Se começar a pensar, você vai chegar à conclusão de que eu estou errado ou de que eu estou absolutamente certo. Mas, qualquer uma dessas conclusões não faz o menor sentido. Essa fala não é passiva de ser avaliada pelo pensamento, pela mente, então, essas colocações aqui precisam ser verificadas aí dentro, pela direta vivência sobre o que está sendo colocado. Dessa forma, você pode saber, por si mesmo, se isso é real ou não. Isso só é possível nessa vivência e não pelo entendimento intelectual.
Na verdade, isso só é possível quando você está “queimando” pela Verdade. Há algo aí dentro capaz de fazê-lo discernir a verdade dessa fala em um nível completamente diferente da compreensão ou do entendimento intelectual. Então, fica aberta a possibilidade da vivência.
Portanto, não se trata de aceitar ou rejeitar essas palavras. Talvez você as aceite, porque, de certa forma, se ajustam a alguma forma de conhecimento que você já traz, o qual, na verdade, não serve para nada. Ou, talvez você as rejeite, porque não se ajustam ao que você imagina ser a Verdade desse Estado Natural.
Aceitando ou não, o seu Estado Natural é Consciência, é Presença, é Ser, é Verdade, é Liberdade, é Deus. A mente é que tem criado esse sentido de “alguém”, nessa procura de ser alguém diferente, especial, de chegar a algum lugar, atingir algum objetivo que ela imagina.
O lado prático disso tudo é a atenção sobre esse movimento interno, a não identificação com esse modelo preestabelecido pelo pensamento. Então, aqui, o lado prático é “colocar fogo” nisso, deixar tudo “queimar”, todo esse modelo aprendido, toda prática, toda sugestão de espiritualidade, toda sensação de autoimportância, toda crença nesse ou naquele sistema religioso, filosófico ou espiritual.