O pensamento é um movimento automático, em que não há alguém. Então, de certa forma, ele é um fenômeno existencial. Mas, tem outra coisa aí: a intenção. O falso “eu” é viciado nesse movimento de imagens, então, ele carrega a intenção de pensar, porque precisa estar ocupado com imagens, com desejos, com buscas.
O que eu descobri é que no Estado Natural não existe intenção de pensar, pois não há prazer nisso, mas no ego há. Quando digo “prazer”, também me refiro à dor, pois ela está incluída nesse prazer. É paradoxal, porque o falso “eu” não pensa, mas tem a intenção, então, o pensamento fica a serviço dessa imaginação.
O ego não tem nenhum interesse na Felicidade, não sabe o que é Isso, mas ele sabe o que é sensação. Isso explica por que as pessoas cultivam, durante anos, pensamentos negativos e memórias que lhes trazem sofrimento. Desde que o “eu” esteja existindo, está tudo bem; desde que você seja alguém, mesmo deprimido, está bom! Então, para ser alguém, “você” vai buscar o pensamento. Aqui está o paradoxo, porque não tem alguém para buscar o pensamento. No entanto, aparece a intenção do pensamento, que é este suposto “alguém” querendo sobreviver com o pensamento. Então, os pensamentos, que são apenas um fenômeno existencial, ficam a serviço dessa falsa identidade e, como ela está viciada em sentir, em ser alguém, essa intenção continua mantendo-a sempre aí.
O corpo está aqui, mas não tem nada aqui. Há apenas os sentidos (percepção auditiva, visual, o tato, o paladar, o olfato). Esse movimento interno aparece com a intenção de pensar e, então, o pensamento diz: “Eu queria tomar sorvete!”. Nesse momento, o movimento interno começa a criar imagens. Pronto! Aí está o “eu” em sua sensação. Não há necessidade de sorvete, mas o “eu” necessita ser alguém, ele quer a sensação, então, ele fabrica o pensamento. Na verdade, ele pega o pensamento emprestado de um mar conhecido, chamado “memória”, chamado “lembranças”. Ele pega emprestado um pensamento e fabrica uma sensação imaginária do sorvete, ou de qualquer coisa. Ele sendo alguém, ele sentindo, está bom! Não importa se é uma imagem que lhe dá prazer, pode ser uma imagem que lhe dê dor; essa também serve.
Para o “eu”, o que importa é a sensação; a Felicidade não. O “eu” não sabe o que é Felicidade! Como ele pode desejar aquilo que ele não conhece? Tudo o que ele deseja está no seu “mar da memória”, “mar de lembranças”, nas imagens do pensamento.
É normal, para esse falso “eu”, permanecer buscando vida na experiência do pensamento. Como eu enfatizei agora há pouco: não faz diferença se ele está vivendo prazerosamente (o que ele chama de felicidade), ou se ele está vivendo dolorosamente (o que ele chama de infelicidade). Na verdade, a infelicidade é a sua marca registrada! O “eu” jamais será feliz, pois nele não há Felicidade.
É uma questão de intenção – a intenção de continuar. Por isso que, em Satsang, você se vê em resistência. Você não sabe para onde eu estou apontando e não tem interesse nenhum em olhar para lá. Então, requer certo tempo até você compreender a importância da autoinvestigação. Sabem o que é autoinvestigação? É a coragem de investigar a si mesmo e perceber o quanto de mentira você carrega.
A real libertação do sofrimento não é possível dentro de um trabalho de cura. A libertação só pode ser real dentro dessa autoinvestigação, e não é com a intenção de ser curado que a autoinvestigação surge. Ela surge quando há a intenção de observar a Verdade sobre si mesmo. Todos que estão buscando cura não estão prontos para a libertação do sofrimento. Aquele que se torna apto para a libertação do sofrimento não é aquele que busca a cura, mas aquele que busca a Verdade sobre si mesmo.
Uma vez que o Real é visto (e o Real é que não há o irreal), o irreal desaparece. O que não é real, não tem cura, mas pode ser descoberto como não sendo real e, então, desaparece. O ego pode “morrer”, mas não pode ser curado. Quando digo “morrer”, não significa que ele para de respirar, mas que a Verdade é vista e o irreal desaparece.
É como se deparar com um fantasma que nunca existiu. Você entra no quarto e se depara com a inexistência do fantasma – é assim que a ilusão termina. Compreendem agora por que o ego não tem cura? Isso é como dizer a um fantasma (que não existe) que ele precisa ir embora do quarto. Um fantasma que não existe dentro do quarto jamais vai embora. É como o ego – ele não tem cura.
Esse trabalho é muito interessante. Nós estamos investigando a natureza ilusória, não estamos investigando a Verdade. A Verdade é, por si só, autofulgente, autodemonstrativa, e é por isso que todos os Sábios dizem que você já é o Buda. Mas, os tolos também podem usar essa frase sem entender nada do que estão falando. Para você usar essa frase, você tem que ser um Buda ou, então, um tolo. Tem que falar com propriedade. [risos]
O Despertar é um jogo divino. Não tem ninguém para despertar, não tem nenhum fantasma ilusório no quarto, mas é o jogo. É por isso que o Estado Natural não é um estado – ele está fora de todos os estados. Um “estado” é algo que vem e vai e um “não estado” é aquilo que não se pode falar a respeito. Por isso que é tão bonito, tão encantador o Estado de Buda, esse Estado fora dos estados. Quando você me escuta, a sensação é que você conhece Isso. Isso faz você se lembrar de algo que você sabe que sabe, mas não sabe o que é (que é a sua Natureza, que é o que Você É).
Não tem nenhum fantasma ilusório no quarto, como também não existe alguém para ser curado. Então, quando você vai a um Sábio e diz: “Estou tão angustiado”, é como dizer: “Olha, eu tenho um fantasma no meu quarto com a perna quebrada!”. Como você sabe que o seu fantasma está com a perna quebrada? Imagine só: um fantasma com uma perna quebrada precisando de atendimento médico… Não dá para acreditar nisso! É como quando você diz: “Estou deprimido!”. A dificuldade é de “ponto de vista”, é o modo como você vê. Você escuta um barulho e diz: “É a perna do fantasma que mora no meu quarto!”.