Nós estamos sempre diante de uma brincadeira divina bastante interessante. Ela é algo que está acontecendo, mas, ao mesmo tempo, não está. Cada pequena aparição, pequena coisa, está viva e em busca de uma autoexpressão. Todas as coisas estão! Nós aprendemos na ciência que há coisas vivas e não vivas. Este é o modo como a ciência representa o mundo das formas: objetos animados e inanimados.
Do ponto de vista da Verdade, da Realidade, da visão do Sábio, a coisa é muito mais simples: tudo está vivo e se autoexpressando. Não há tal coisa como a morte. Não existe morte! Tudo está vivo e se expressando, desde o menor inseto até o maior de todos os astros. Nós temos a Terra, o Sol, a Lua, as estrelas, as plantas, as flores, os animais, assim como os metais, as rochas… Tudo aquilo que é visível, que está aparecendo, está vivo. Tudo está vivo! Tudo é a expressão dessa Vida! A Vida se expressa em tudo! Esta é a visão do Sábio: tudo está vivo e não há coisas animadas nem inanimadas!
A palavra “anima” vem de alma, de vida. Então, há coisas animadas e coisas inanimadas. Do ponto de vista da Realidade, tudo é vida, tudo está vivo. É aqui que entra a coisa curiosa nessa brincadeira divina. Apesar de tudo estar vivo e presenciarmos uma multiplicidade indescritível de formas e de aparições, curiosamente, quando falamos do Despertar, dessa Realização, estamos falando que todas essas aparições não são reais. Elas estão aparecendo como tudo aparece enquanto você sonha. Quando você acorda, tudo desaparece. Estou dizendo que todas essas aparições desse, assim chamado, universo, mundo, são mentais. Quando você volta a sonhar, tudo volta a aparecer, e, quando você para de sonhar, o “sonhador” desaparece, também. Quando não há sonho, não há o “sonhador”, não há o mundo e não há a mente.
A parte curiosa dessa brincadeira divina é que tudo é muito real enquanto aparece. Uma vez que desaparece, não está mais ali. A mente está trazendo à baila a sua existência, a sua manifestação. Toda a sua manifestação é mental, mas essa manifestação ainda é uma aparição nesta Presença, nesta Realidade, nesta Verdade que somos. A mente está projetando a “realidade” dela, mas é, ainda, a “realidade” de uma aparição, que só pode aparecer nesta Presença, que Você É, porque Você É essa Realidade, essa Consciência. Então, é aqui que tudo fica bastante curioso.
Você está nessa multiplicidade de formas, tendo-a como verdade, e o que está fazendo isso é a mente. A única coisa que faz isso é a mente em sua projeção. No momento em que você se reconhece como Consciência, Presença, todo esse mundo é apenas uma aparição sem importância, assim como o sonho não tem importância para quem acorda. Isso é o Despertar. Para aquele que acorda, o sonho não tem mais nenhuma importância, é só um sonho, mas, enquanto não acorda, o sonho para ele é bastante real. Todo o seu sofrimento, os seus conflitos, aflições, além dos problemas pessoais, individuais e particulares, seja de saúde ou qualquer outro, são problemas do sonho, do “sonhador”. O problema no sonho é um problema do “sonhador”, que é a mente aceitando seu projeto como uma única realidade. Então, você se separa como se fosse uma entidade presente gerenciando toda essa coisa e, quando faz isso, o sofrimento e os problemas aparecem. Isso é bastante curioso, porque não é real.
Real é apenas Aquilo no qual isso está surgindo, tomando forma, onde essa coisa chamada mente está se levantando e fazendo aparecer todo o seu projeto. Enquanto você estiver se confundindo com essas aparições, irá se ver, se comportar, sentir e sofrer como uma “pessoa”. Quando for traído, se sentirá enganado; quando for elogiado, se sentirá reconhecido pelos seus méritos e feitos; quando for criticado, se sentirá triste ou com raiva ou bastante ofendido. Tudo isso está acontecendo apenas na sua mente; não tem nenhuma realidade fora da sua cabeça. Portanto, quando você vem e se depara com esse momento de investigação da realidade, está se deparando com a possibilidade de abandonar esse “sonho”, essa ideia de que você está aí presente nessas múltiplas experiências de um suposto “eu”, de uma suposta identidade presente, que tem um nome, uma forma e uma história.
Assim, voltamos ao básico: você é uma fraude, não é real. Não é possível nem ficar ofendido, porque ninguém está aí para se ofender com isso. Quando você se confunde com a mente, o sentimento de ofensa aparece e, consequentemente, o ofendido aparece, porque estamos desmerecendo sua “real presença” no universo. Você, no sentido de um “eu”, considera-se muito importante e nada disso é real. Aqui está o ponto curioso e engraçado nessa coisa chamada Despertar. É muito real, mas não é Real. Na Índia, eles chamam de leela essa brincadeira divina, que, quando é particularizada para o “sentido de alguém”, não se chama mais de leela, mas de maya, a ilusão. Quando aparece no cenário a ideia de “alguém” na leela, isso é maya, a ilusão – a ilusão da multiplicidade, da separatividade, de um “eu”, de uma “pessoa”; essa “pessoa” e seus conflitos, medos, acertos ou erros, virtudes ou vícios.
Claro isso? Difícil demais? Dá para acompanhar isso?
Portanto, você como “mãe”, “avó”, “pai”, “filho”, “marido”, etc., é uma crença, porque há somente uma única Presença, Consciência, Realidade – você em sua Natureza Real. Isto é o seu Estado Natural, quando você não se confunde com esse “sonho” de avó, filha, filho, marido, esposa, homem, mulher, jovem, velho, criança… Não há “pessoa” quando não há história. Não há história, então, não há “pessoa”. Tem história? Então, tem uma “pessoa” envolvida nisso.
A vida é uma leela de Deus, para o Sábio. Para aquele que se identifica com a mente egoica, a vida é maya. Em maya, tem os vivos e os mortos, os sábios e os tolos, os viciados e os virtuosos, os santos e os demônios; tem a tristeza e a alegria, o bem e o mal; tem o passado, o presente e o futuro; tem os amigos e os inimigos; tem história, tem pessoa… Tem tudo isso! Assim, não há Paz, Liberdade, Felicidade, Amor, Consciência… Só tem história.
Quando eu falo Paz, Liberdade, Felicidade, Amor, Consciência, não estou falando de algo que tem um contrário. Por exemplo, a paz tem o contrário, que é o conflito; a felicidade tem o contrário, que é a infelicidade; a liberdade tem o contrário, que é a prisão… Não estou falando dessa liberdade, dessa felicidade e dessa paz. O amor tem o contrário, que é o ódio, mas não estou falando desse amor. Estou falando do Amor, de uma Felicidade, de uma Consciência, de uma Paz, que não tem contrário, opostos, ou seja, não faz parte da história, do “seu mundo”… É algo desconhecido; algo de sua Natureza Real.
Quando eu digo “desconhecido”, é porque não é algo que possa ser conhecido. É algo que permanecerá sempre como o mistério chamado vida, que, na mente, você divide entre seres animados e inanimados, vivos e mortos. Quando eu digo para você ir além da mente, estou dizendo para ir além de maya, além da história, além da pessoa, além desse sentido de se sentir magoado, ofendido, humilhado, arrependido, triste, alegre, sábio ou tolo.
É como a história de um discípulo que foi ao Mestre e perguntou: “Mestre, o que é a Realidade? O que é essa Verdade?”. Eles estavam perto um pé de laranja, no campo, e o Mestre disse: “Pegue uma daquelas laranjas”. O discípulo pegou uma laranja e o Mestre disse-lhe: “Corte-a ao meio”; o discípulo fez isso. O Mestre perguntou-lhe: “O que você vê?”, ao que o discípulo respondeu: “Eu vejo gomos de laranja”. “O que tem nesse gomo?”, perguntou o Mestre ao discípulo, apontando para as sementes, e disse-lhe: “Tire uma dessas sementes e corte-a ao meio”, o que foi feito. “Corte de novo, mais uma vez… Mais uma vez…”. Até que chegou num ponto em que não dava mais para cortar aquela semente. Então, o Mestre perguntou: “O que você vê agora?”. “Mestre, agora não tem nada”, respondeu o discípulo. O Mestre, então, disse: “Aí está o sentido da Realidade: não tem nada!”.
Esse Vazio é o sentido da Realidade. É desse Nada, desse Vazio, que veio a semente, que vieram os gomos, que veio a laranja, a árvore, a terra em que essa laranjeira está plantada; que veio esse campo, esse lugar; que veio esse mundo e esse universo. A Realidade é esse Nada, onde tudo aparece e desaparece. Esse Nada é a Consciência, é o Amor, é a Felicidade, é o desconhecido. Então, lembre-se disso: se você pode descrever, não é a Felicidade; se você pode descrever, não é a Paz, a Verdade, a Realidade. O que você pode descrever está dentro da história e o que está dentro da história é pessoal.
Nesses encontros, em Satsang, estamos apontando para você o fim de tudo isso… Estamos apontando o Nada. Mas o Nada, lembre-se, tem a qualidade de Sat-Chit-Ananda – Ser, Consciência, Felicidade. Então, não é um nada de vacuidade, de nulidade; é um Nada de Plenitude, de Totalidade. É um Nada que contém o Todo e onde o Todo desaparece. Então, é um Nada de uma qualidade completamente diferente. É um Nada que é a Natureza do Sábio, da Verdade. É lindo estar em Satsang, porque Satsang aponta somente para Isso. Não aponta para a ciência, filosofia, física quântica, artes, dança, música… Satsang aponta para o Nada, que não é o nada de “coisa nenhuma”; é o Nada onde tudo aparece e se dissolve. Então, lembre-se: o que você pode descrever não é Isso. Olhe de novo, de novo e de novo… Curve-se diante desse Nada – isso é adoração! Curve-se diante desse Vazio – isso é oração! Curve-se diante desse Nada Vazio – isso é autoinvestigação.
Tudo que eu ensino é o Nada. Eu o ensino a dar um “bye, bye“, um “tchau, tchau” para as aparições, começando pelas aparições íntimas, próximas, ligadas ao sentido de uma identidade presente aí. O meu ensino não é uma instrução, nem forma você a ponto de torná-lo “alguém instruído”. O meu ensino esvazia você de todo conteúdo, conhecimento, de todo conteúdo do experimentador. Então, o meu ensino é um não-ensino. Não escute com a sua cabeça, porque não vai funcionar. Em qualquer lugar você poderia ouvir com a sua cabeça, menos nesse espaço chamado Satsang.
Não tente analisar isso, encontrar a lógica, a aplicabilidade, o bom senso disso. Não dá! Não há bom senso em minha fala e não é algo aplicável, utilitário ou que fortalecerá você. Isso iria somente fortalecer sua história e, quando isso acontece, a “sua pessoa” fica mais forte, e o propósito não é esse. Não acreditem em minhas palavras. Não aprendam, decorem ou tentem enquadrar minhas palavras. Fiquem com o que está por trás delas. Mas vocês não podem fazer isso com a “cabeça”… Não escutem com a “cabeça”. Aqui, começando por mim, ninguém é importante. Não tem ninguém importante. “Alguém importante” é a história, a instrução, o conhecimento e a experiência sendo compartilhados. ISSO aqui não é uma experiência que pode ser compartilhada.
Quando você olha para isso que acontece em Satsang, está apenas olhando para um espelho. Se você ainda estiver se vendo nesse espelho, sua visão está equivocada, porque não tem ninguém lá no espelho. O espelho está sempre vazio. Se você está encontrando uma imagem nesse espelho é, ainda, a sua história. Eu disse olhar para o espelho, não disse se ver no espelho. Tudo o que você fez, até hoje, foi para se encontrar e quando se encontra é como “você”, que é o mesmo que se ver no espelho. Você vai melhorando essa imagem que vê de si mesmo no espelho. Em todos os lugares e trabalhos a intenção é essa: melhorar essa imagem, melhorar a “pessoa” que você acredita ser e encontra quando olha para o espelho.
Aqui, em Satsang, eu convido você a olhar para o espelho e descobrir que ele está sempre vazio; não tem “alguém” ali. Quando as pessoas começam a ler livros e ouvir falas desse tipo, passam a decorar essas palavras e, daqui a pouco, acreditam que se tornaram mestres do assunto e podem até sair por aí dando Satsang, porque elas estão perfeitamente instruídas na [teoria] Advaita. Isso é curioso, porque Advaita não é instrução. Advaita é não-dualidade. É esse Nada, esse Vazio… É o fim do sentido de um “eu”.