Eu não estou tratando de uma teoria e não tenho o que dizer. Surpreendo-me em poder falar, ainda, alguma coisa nesse espaço chamado Satsang, porque não tem nada para ser dito dentro dele. Satsang é uma contemplação, onde aquele que é contemplado e o contemplador desaparecem, e não há como registrar qualquer coisa, não há como guardar memória ou qualquer imagem disso. A Verdade é algo assim.
Tudo que é Real é incomunicável, mas daquilo que não é, você pode tratar fazendo diversas aproximações e abordagens infinitamente. Você pode saber o que o olhar de alguém diz, mas não pode comunicar isso quando esse “alguém” não é outro a não ser você mesmo. Você não tem o que dizer para alguém daquilo que você vivencia de uma forma direta como sendo você mesmo. Satsang é algo assim: nesse “alguém” não tem alguém, nesse olhar não tem alguém olhando. Então, a Verdade é algo fora de definições, está além de palavras! Tudo, tudo, tudo o que é Real é indefinível. Não se pode falar sobre Isso, porque tudo o que é Real é uma coisa só, é a Verdade. Mas o que é a Verdade? É uma coisa só… Ninguém sabe! É como a real Alegria, o real Amor, a real Felicidade, a real Liberdade; não se pode definir o que é Isso!
É disso que tratamos em Satsang: do indefinível, do inefável, do inaudível… Isso é Iluminação! Quem é esse “Alguém” em cujo olhar você encontra a si mesmo? Quem é esse “Alguém”? Quem é Ele? Quem é você?
Agora a gente olha para esses objetos na sala e consegue ver todos eles. Quer sob uma luz artificial ou sob a luz do sol, esses objetos são vistos. Mas os olhos que conseguem ver esses objetos estão separados deles ou são parte desses objetos? Essa luz, que torna visíveis esses objetos, está separada dos olhos e dos objetos ou ela também faz parte dos objetos e dos próprios olhos? Quem separa o objeto da luz sobre ele e dos olhos que estão vendo? Quem separa? Essa é a minha matéria em Satsang. Por isso é que não há medo aqui, porque o medo só é possível na separação.
Eu lembro que, quando era garoto, eu tinha um amigo. Nós crescemos juntos e já faz alguns anos que ele morreu. Eu estava ainda no Rio de Janeiro e fui ao sepultamento do corpo desse amigo. Lá estava o corpo dele, dentro do caixão, antes da tampa ser colocada. Eu via as pessoas em volta do corpo daquele amigo e elas estavam chorando. Eu olhei para aquele corpo, para aquelas flores e, também, senti o cheiro delas naquele velório. Eu olhei para o rosto dele… Um amigo de infância que eu não via há muito tempo e que agora estava encontrando. Mas olhei bem… e não senti pesar. Nenhuma dor! Eu estava ali! Era muito claro isso! Eu estava no cheiro daquelas flores, naquele ambiente, naquele rosto. Eu estava naquela peça de madeira envernizada, onde o corpo dele estava deitado. Eu era aquela cobertura de flores, a caixa de madeira… Eu era o rosto dele e eu era as pessoas também. Eu era o piso e aquela parede. E havia tanta beleza! Eu era aquele sol que entrava naquele espaço, naquela manhã. Havia tanto silêncio… Eu olhava para o rosto das pessoas e eu estava no rosto delas!
Era bastante interessante aquilo, e é como tem sido os meus dias. Ainda é assim! Quando não há separação, não há medo, preocupação, aflição, temor, receio; não há nada para se ganhar e se perder. Quando não há separação, tudo é de uma grande, inexplicável e indizível beleza! Então, nascer não é diferente de morrer!
Acho que esse foi o último velório em que eu estive, pois depois desse não me lembro de outro. Quando eles fecharam, levantaram e começaram a levar o caixão, as pessoas, umas atrás das outras, saíram daquele espaço em silêncio. Algumas mais chorosas, numa cena de tristeza e choro… Todas se mostrando visivelmente assustadas (havia medo no rosto de algumas). Elas saíram daquela sala, e eu saí junto também. Fez-se uma fila e o caixão seguia na frente. Houve o toque de um sino. Elas foram caminhando e eu fui ficando para trás. Havia tanta beleza naquele momento! A luz do sol se espalhando sobre tudo à minha volta… Vários traços de cimento com fotos, com datas… Uma procissão. Todos seguindo aquela caixa de madeira e eu atrás ia olhando. Havia tanta beleza naquilo! Eu fui ficando bem para trás para apreciar. Não havia dor, não havia medo, não havia separação! Quando nós chegamos ao local do sepultamento, já havia alguns ali esperando e os homens do cemitério, com suas pás nas mãos, desceram o caixão com uma corda e, logo após, foram cobrindo-o de terra. Ninguém tinha morrido. Ele estava lá! Vivo! Em tudo! Eu… Meu amigo… O amigo estava vivo em tudo! Compreendem? Eu, o amigo, estava vivo em tudo! Havia tanta vida! Há tanta vida à sua volta nessa Alegria, que você não sente o mínimo desejo de dizer aos outros: “Tudo está vivo! Ele está vivo! Você não sente isso?”. Eu não podia chegar para aquelas pessoas e dizer: “Não tem ninguém morto! Ninguém morreu!” Compreendem?
Todo o seu medo não é o “seu” medo, é somente uma crença, uma coisa aprendida, mas uma coisa aprendida se desaprende. O meu trabalho é ajudar você a desaprender tudo! Você não precisa ser ensinado, pois já foi ensinado demais, por tempo demais! Eu o ensino a desaprender, e desaprender tudo é a arte da Sabedoria, que se mostra como Amor, Liberdade, Felicidade!
ISSO é Deus! O Único não conceitual, não explicável, não traduzível… O invisível, o atemporal, o não espacial! Ele se revela como o Tudo; como o Nada. Aquilo onde tudo aparece e depois desaparece. Isto está na verdade: “Eu não sou o corpo”. Eu não sou o corpo, portanto, Eu não sou do mundo!